Da série FAP
(Festival Amargas Palavras)
minha língua faca
corta cana brava
pra vingar meus ancestrais
se não é álcool
nem açúcar
o que é que essa usina faz?
corta cana brava
pra vingar meus ancestrais
se não é álcool
nem açúcar
o que é que essa usina faz?
II
na linguagem dos 80
não precisávamos
de puteiro ou bordel
faltasse carne
pra roçar os óvulos
a língua jorrava tinta no papel
III
muitas vezes
minha língua pulsa
pula para o outro lado do muro
às vezes minha língua pira
punk nesses tempos obscuros
às vezes minha língua Dada
vai roendo dados nesse jogo duro
muitas vezes minha língua dark
jorra luz nas trevas nesse templo escuro
IV
nessa linguagem de palavras ostras
marisco em minha língua espuma
escorre entre tuas coxas
o mel da palavra pluma
gosma dessa baba enguia
feito fogo queima arde o sal
dessa água impune fosse feito sol ao meio dia
V
minha língua baudelérica
faca de dois gumes na métrica
morde o outro gumes na delírica
a minha língua só fonética
mallarmaica
Brazilírica.
minha língua pós Andrátrica
drummundana cibernética
Afrodite na genética
mata o verme da quadrilha
bomba de nêutron energética
assassígna de brazilha
língua nova não tem dono
pode estar em qualquer boca
na minha na tua na dele na dela
morde portas e janelas
como se algum dente fosse
língua nova está na casa
na areia na argila
nesse barro chão batido
nas paredes de tijolos
nos telhados de algum fosso
língua nova está no corpo
está na carne está no sangue
está nos ossos
língua nova é quando posso
escavar um novo poço
VII
essa saliva sangue
escarro do beijo
que me foi roubado
de outras bocas bêbadas
desses dias inglórios
descem cascatas de trovões em tempestades
o sal amargo de algum ventre exposto
as sevícias da barbárie nas ruínas
dos castelos
nos entulhos dos palácios
esqueletos carcomidos
por longos séculos de ócio
rasgo o véu membrana em tua íris
espinho minha língua
cavalo no galope desse pasto de quimeras
a era foice faca e vieste de outra Hera
Helena fosse febre fértil
fumo nas artérias fosse
sangue venoso em minhas veias óxidas
rios de carbono e chumbo
lama mineral dos restos dos impérios
que um rei tirano trouxe
IX
a voragem da linguagem
me deixou vertigem
nas costas da janela
estela foi despindo as coxas
me beijando os músculos
com os seus dedos de moça
nas entre linhas do meu terno
pra que a língua ardesse
como pimenta azeite
no fogo do inferno
Artur Gomes Fulinaíma
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