quarta-feira, 6 de novembro de 2019

linguagem


Da série FAP
(Festival Amargas Palavras)

minha língua faca
corta cana brava
pra vingar meus ancestrais
se não é álcool
nem açúcar
o que é que essa usina faz?

II

na linguagem dos 80
não precisávamos
de puteiro ou bordel
faltasse carne
pra roçar os óvulos
 a língua jorrava tinta no papel

III

muitas vezes
minha língua pulsa
pula para o outro lado do muro
às vezes minha língua pira
punk nesses tempos obscuros
às vezes minha língua Dada
vai roendo dados nesse jogo duro
muitas vezes minha língua dark
jorra luz nas trevas nesse templo escuro


IV

nessa linguagem de palavras ostras
marisco em minha língua espuma
escorre entre tuas coxas
 o mel da palavra pluma
 gosma dessa baba enguia
feito fogo queima arde o sal
 dessa água impune fosse feito sol ao meio dia

V

minha língua baudelérica
faca de dois gumes na métrica
 morde o outro gumes na delírica
 a minha língua só fonética
 mallarmaica
Brazilírica.

minha língua pós Andrátrica
drummundana cibernética
 Afrodite na genética
 mata o verme da quadrilha
 bomba de nêutron energética
 assassígna de brazilha


 VI

língua nova não tem dono
 pode estar em qualquer boca
na minha na tua na dele na dela
morde portas e janelas
como se algum dente fosse
 língua nova está na casa
na areia na argila
nesse barro chão batido
 nas paredes de tijolos
 nos telhados de algum fosso
 língua nova está no corpo
está na carne está no sangue
 está nos ossos
língua nova é quando posso
 escavar um novo poço


 VII


 a língua cospe da boca
essa saliva sangue
 escarro do beijo
que me foi roubado
de outras bocas bêbadas
desses dias inglórios

descem cascatas de trovões em tempestades
o sal amargo de algum ventre exposto
as sevícias da barbárie nas ruínas
dos castelos
nos entulhos dos palácios
esqueletos carcomidos
por longos séculos de ócio


 VIII

rasgo o véu membrana em tua íris
 espinho minha língua
cavalo no galope desse pasto de quimeras
a era foice faca e vieste de outra Hera
Helena fosse febre fértil
fumo nas artérias fosse
sangue venoso em minhas veias óxidas
rios de carbono e chumbo
lama mineral dos restos dos impérios
que um rei tirano trouxe


 IX

a voragem da linguagem
me deixou vertigem
 nas costas da janela
 estela foi despindo as coxas
 me beijando os músculos
com os seus dedos de moça
nas entre linhas do meu terno
pra que a língua ardesse
 como pimenta azeite
no fogo do inferno

Artur Gomes Fulinaíma


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