segunda-feira, 28 de outubro de 2019


terra de santa cruz

ao batizarem-te
deram-te o nome:
posto que a tua profissão
é abrir-te em camas
dar-te em ferro
ouro
prata
rios
peixes
minas
mata
deixar que os abutres
devorem-te na carne
o derradeiro verme

salgado mar de fezes
batendo nas muralhas
do meu sangue confidente
quem botou o branco
na bandeira de alfenas
na certa se esqueceu
das orações dos penitentes
e da corda que estraçalha
com os culhões de Tiradentes


salve lindo pendão que balança
entre as pernas abertas da paz
tua nobre sifilítica herança
dos rendez-vous de impérios atrás

meu coração
é tão hipócrita que não janta
e mais imbecil que ainda canta:
ou
viram
no Ipiranga
às margens plácidas
uma bandeira arriada
num país que não levanta

só desfraldando
a bandeira tropicalha
é que a gente avacalha
com as chaves dos mistérios
dessa terra tão servil
tirania sacanagem safadeza
tudo rima uma beleza
com a pátria mãe que nos pariu

1º de Abril

telefonaram-me
avisando-me que vinhas
na noite uma estrela
ainda brigava contra a escuridão

na rua sob patas
tombavam homens indefesos

esperei-te 20 anos
ate hoje não vieste à minha porta

o poeta estraçalha a bandeira
raia o sol marginal quarta feira
na Geléia Geral brasileira
o céu de abril não é de anil
nem general é my Brazyl

minha verde/amarela esperança
Portugal já vendeu para França
e coração latino balança
entre o mar do dólar do norte
e o chão dos cruzeiros do sul

o poeta esfrangalha a bandeira
raia o sol marginal sexta feira
nesta porra estrangeira e azul
que há muito índio dizia:

meu coração marçal tupã
sangra tupy & rock and roll
meu sangue tupiniquim
em corpo tupinambá
samba jongo maculelê
maracatu boi bumbá
a veia de curumim
é coca cola & guaraná

o sangue rola no parque
o sonho ralo no tanque
nada a ver com tipo dark
e muito menos com punk
meu vício letal é baiafro
com ódio mortal de yank


ó baby a coisa por aqui
não mudou nada
embora sejam outras
siglas no emblema

espada continua a ser espada
poema continua a ser poema



Indigesta

ê fome negra incessante
febre voraz gigante
ê terra de tanta cruz

onde se deu primeira missa
índio rima com carniça
no pasto pros urubus

oh! myBrazyl
ainda em alto mar
Cabral quando te viu
foi logo gritando:
terra à vista!
e de bandeja te entregando
pra união democrática ruralista.

por aqui nem só beleza
nesses dias de paupéria
nação de tanta riqueza
país de tanta miséria


 olho de lince

onde engendro
a Sagarana

invento
a Sagaranagem

entre a vertigem
e a voragem

na palavra
de origem

entre a língua
e a miragem
São Bernardo e Diadema 


mordendo: o vírus da linguagem
no olho de lince do poema


Artur Gomes
poemas do livro Pátria A(r)mada
Editora Desconcertos - 2019
portalfulinaima@gmail.com
(22)99815-1266 - whatsapp

Artur Gomes é poeta, ator, videomaker e produtor cultural. Tem diversos livros publicados, sendo os mais recentes Juras Secretas (Editora Penalux, 2018) e Pátria A(r)mada (Editora Desconcertos, 2019). Dirigiu a Oficina de Artes Cênicas do Instituto Federal Fluminense  em Campos dos Goytacazes-RJ de 1975 a 2002. Em 1983, criou o projeto Mostra Visual de Poesia Brasileira e, em 1993, idealizou o projeto Mostra Visual de Poesia Brasileira Mário de Andrade — 100 anos — realizada pelo SESC São Paulo. Atualmente, leciona Poéticas no Curso Livre de Teatro em Campos dos Goytacazes-RJ e coordena a Balbúrdia Poética na La Taberna de Laura, no Rio de Janeiro  e a  Santa Balbúrdia na Casa Criativa Santa Paciência em Campos dos Goytacazes. Acaba de gravar no home studio Fil Buc — Produções o disco Poesia Para Desconcertos, com produção de seu filho Filipe Buchaul.


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