quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Balbúdia Poética



Balbúrdia Poética
Dia 11 de outubro - 19h
poema manifesto

La Taberna de Laura
Rua Xavier da Silveira, 34
Copacabana - Rio de Janeiro-RJ
um encontro de poetas do barulho
a contribuição milionária de todas as poéticas
(Owald de Andrade)



um avô, pela dor
destroçado
do injusto cárcere
liberado
vela seu neto morto
um homem, em triste silêncio
armado apenas do que É
em sua dignidade de homem
(estadista inconteste
preso político)
é escoltado à câmara
do seu menino morto
fardas e armas
dedos sobre o gatilho
posição de atirar
ostensivamente
permanecem
durante a curta hora e meia
que deram ao avô para ficar
com seu menino morto
a cena
diz muito do brasil atual
e mais aind do homem
de quem parte desse brasil
tem tanto medo
ainda que de sua boca
como agora
uma única palavra
seja pronunciada
(Dalila Teles Veras)
no livro Tempo em Fúria
obs.: sp, 02.03.2019
liberado pela justiça, ex-presidente lula participa de velório do neto de 7 anos e retorna ao presídio em curitiba. g1.globo.com

Ditados Impopulares
sem essa de dizer que a pressa
é inimiga da perfeição
eu sou amigo da pressa
perfeição me interessa,
não me interessa não
o que é perfeito está morto
eu quero o falho o feio o torto
quero os pecados da alma
e as imperfeições do corpo
se a pressa
é inimiga da perfeição
é amiga da mudança
irmã da revolução
boca fechada não entra mosca
mas também não sai palavra
quem cala consente
quem sente fala
o silêncio pode ser uma jaula
o mundo sem palavras é quadrado
é preciso estar atento
é preciso ter cuidado
uma coisa é ser silêncio
outra é ser silenciado
lei do silêncio não faz sentido
o mundo sem palavras é quadrado
boca fechada não faz meu tipo
meu estilo é ser articulado

Eliakin Rufino


ouse na moda
vestir-se de nu
é que incomoda

k.chapul
estamos aí por toda cidade
pagando em suor a felicidade
(Caetano Veloso)
A Arte Existe Porque A Vida Não Basta
(Ferreira Gullar)
Não luto contra o destino
o que pintar eu assino
(Paulo Leminski)
Ela foi-se
eu martelo
Sady Biachin
V(l)er com olhos livres
(Uilcon Pereira)
sou o que sou - vidente
e vivo tranquilamente
todas as horas do fim
(Torquato Neto)
O Coisa Ruim
me querem manso
cordeiro imaculado
sangrado
no festim dos canibais
me querem escravo
ordeiro serviçal
salário apertado no bolso
cego mudo boçal
me querem rato acuado
rabo entre as pernas
medroso
um verme pegajoso
mas eu
sou osso duro de roer
caroço
faca no pescoço
maremoto tufão furacão
mas eu sou cão
ladro mordo
arreganho os dentes
incito a revolta dos deuses
toco fogo na cidade
qual nero
devasto o lero lero
entro em campo
desempato
eu sou o que sangra
um poeta nato
Ademir Assunção
 gravado pelo autor no CD Rebelião na Zona Fantasma


(Ademir Assunção)
A devoração do profano
em tudo que é mais sagrado
(Federico Baudelaire)

tenho sangrado demais
tenho chorado pra cachorro
ano passado eu morri
mas esse ano eu não morro
(Belchior)
manifesto fulinaímico com todas as misturas
(Federika Lispector)
cinema-circo-balbúrdia transcendental!!!
(Cacau Leal)
Poesia é tudo o que escrito no poema não está
(Tanussi Cardoso)
o melhor poema é o Não
(Márcio Almeida)
no tempo que eu era vivo o país também era
agora que eu morri brasil também já era
(Bracutaia Silva)
Metafísica Poética
Poesia é fêmea nua,
é palavra intermitente,
é lobo uivando pra lua,
poesia come gente.
Poesia a gente chora,
a gente vive,
a gente sente.
Poesia não se ignora,
a poesia é impertinente.
Poesia se devora
na paisagem,
na beleza.
Poesia não tem hora
é alegria,
é tristeza.
Poesia nos invade
no carinho,
na aspereza.
É o amargo,
o doce,
o vinho,
a identidade
e a estranheza.
Poesia está em tudo,
despercebida,
desvairada.
Poesia é todo mundo,
não tem destino,
é a estrada.
Ana Campos
pássaros elétricos vivem a vida por um fio
(Federika Lispector)
no universo paralelo
 tenho doutorado bíblico
em chá de cogumelo
(Pastor de Andrade)
não morri de malasorte morri de amor pela morte
(Mário Faustino)
a motoserra mata o mito a mata amazônia mata
(Federika Bezerra)

depois do almoço no bordel braziliano as putas dormem no recinto de respeito e o presidente o único acordado na república do tanto fez como tanto faz libera mais um projeto para desmatamento da amazônia e leilão da Petrobras
(Gigi Mocidade)

Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mió
Para pior pió
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados
Oswald de Andrade
Veja só as coisas como são:
Na poesia, no amor e na vida
Nem sempre as coisas são comoção
(Tchello d’Barros)
Verbo rasgado
Fui acusado de ser impulsivo
E sou
Sinto tudo
E digo tudo que sinto
Fui nomeado intempestivo
E sou
Tempo mudo
Não vai se calar comigo
(Daniel Perrroni Ratto)
“povo iludido, nordestinar-se é preciso”
(Bruno Candéas)
lama tóxica,
rios
mortos
cemitério
de cinzas
da floresta
sobre e entre
dentro de nós
sob a pele
cancro
e metástase
ou escolha rápido :
a bala do fuzil
sancionada pela caneta
de governantes narcofundamentalistas
um Brasil pária
que mata dia sim, dia sim
os muitos povos deste país
(Rodrigo Novaes de Almeida)
“salve-se da terra dos altos coqueiros”
(Reginaldo Frias)
“Afetos perderam-se na virtualização”
(Agenor Deodato)
CONCERTO
Da fábrica de ferro,
ferrolho.
No rosto do cego,
Um olho.
Artigo de luxo,
repolho.
Vida:
corte de navalha
em corda de violino.
(Hugo PONTES)
quatrilha
para Bruno Candéas,
Carlo Gurgel e Tanussi Cardoso
sigo o trilho na trilha
onde carrego
:
cacomanga recife rio grande natal
rasgo a tralha
me desfaço da mortalha
carNAvalha - carNAval
persigo no telhados
os fantasmas que assombram
no país do laranjal
Lady Gumes
diretamente de Assombrado
nos Ruídos Urbanos de Uilcon Pereira
in memorian
dentro de mym mesma mora um anjo negro
que lambuza de batom vermelho a minha boca
no espelho
(Marisa Vieira)
"Não consigo escrever quando ver sejo"
(Adriano Moura)
O grito da minha garganta se liberta com uma caneta na mão
De meus dedos não sai só poesia
Sai toda uma revolução
(Maya Falks)
Uso a palavra para compor meus silêncios.
(Manoel de Barros)

é isso mano
naquele tempo
nossas cabeças
misturavam
Beatles, Sinatra,
Elvis e o rock
e a gente era jovem.
hoje
eu sei
continuamos...
misturando tudo
(Cesar Augusto de Carvalho, em "Curto-circuito)
UM IDIOTA NO MEIO DO CAMINHO
não havia uma pedra no meio do caminho
havia um idiota completo com seu olor de ódio
um idiota completo que relinchava
— sem a elegância dos cavalos
um idiota completo com seu fedor de coisa pútrida
babando bílis, bebendo pus, peidando, defecando
sobre bandeiras verdes sem matas
sobre bandeiras azuis de céus sufocantes
sobre bandeiras amarelas de raiva
sobre bandeiras brancas manchadas de sangue
um idiota completo regurgitando e resfolegando
violência, tortura, ameaças, assassinatos
um idiota completo e mentiroso com seu pau hasteado
numa selva escura e sem saída, sem onça-pintada
sem lobo-guará, sem tatu-peba, sem rola-bosta
um idiota completo que berra nos ouvidos de madalena
eu não te estupro porque você é feia!
meu filho não te come porque você é preta!
um führerzinho mal ajambrado em talho tosco
gritando morte aos veados! morte aos vermelhos!
morte aos que ouvem essa música barulhenta!
morte aos montes! morte em marte! marche! marche!
e a turba trevosa e tenebrosa entra em transe
e afia as facas e estala as esporas e engatilha as armas
revelando às crianças uma face dura e rude
sem leveza, sem beleza, sem delicadeza alguma
um idiota tão maligno e digno de pena
que nem vale o esforço de um poema
(Ademr Assunção) do livro Risca Faca (inédito)
eu rabisco azulejos eu tiro leite das pedras na língua quando beijo na boca que não medra
(Federika Lispector)
um livro de poesia na gaveta não adianta nada lugar de poesia é na calçada
(Sérgio Sampaio)
azul
estranhos, percebo, nossos dias
tempo de fingir que não, que sim
tempo de cadeados em latas de lixo
lanças nos muros, nas praças, na boca
bombas lacrimogêneas, gritos, despejos
tempo de grades na alma e nas janelas
tempo de falar de futuro nos bancos
tempo de não falar do passado
tempo de arder tudo que vai
entre a lua e este pedaço de carne
(Tarso de Melo)
século xxi
- regado a modernidades -
antropofagia
não será aguar boi e soja
com sangue?
(sangue
de tantas
tantas mãos grossas que lutam
como quem guarda
no peito memórias de terra)
(Paulo Dantas)
cena verbal 48
para D.
Dormes com a quietude
das laranjas,
com teus reinos
de hormônios e sementes.
Dormes para adoçar
abril, para
chover sobre o outono.
A carne febril
que sonegas ao pássaro
ferido, é teu realejo
secreto – donde
o impossível se esfarinha.
Agora, vem, despe
esse fruto
que doma os insanos;
que viceja os cegos
nas igrejas.
O tempo ausente está morto. Só
nos resta o agora em fatias. E
essa cadela rosnando
atrás do dia
(Salgado Maranhão)
do livro Avessos Avulsos
O SILÊNCIO
A palavra
dita e escrita,
antes domínio,
hoje quase inexiste.
E no declínio da voz,
pássaro triste,
nada exalta o fonema.
A pena chora a sós
quando vos confesso meu silêncio.
Não o silêncio que me cala a fala,
mas o que me cala o poema.
(Jorge Ventura)
in Mostra Visual de Poesia Brasileira
Por tudo & Por todos
Pulem todos os muros
Roubem todas as rosas
Enfeitem todas as janelas!
Invadam as repartições
e libertem os que
querem voar!
(André Giusti)
Ou a gente se Raoni
Ou a gente se Sting
Uma metade passa fome
Outra metade faz regime
(Luis Turiba)

poema um lance de dedos
num tabuleiro quadrado
no truque das artemanhas
torquato primou pelo intransferível
oswald por um nada sagrado
mallarmè criou seu xadrez
enquanto deus jogava dados
(EuGênio Mallarmè)
DEDO EM RISTE
Este poema não diz nada
da mesma forma
que a história não diz tudo.
Língua cortada:
este poema não fala
–falha.
E insiste:
dedo em riste!
(Rubens Jardim)

A linguagem poética talvez seja o ultimo refúgio da huma- nidade. A escritura poética restará – mesmo – como tesouro arqueológico da remota paisagem dos sentidos e percepções do humano.
Wanda Monteiro
Poemito
o mito
mata
a mata
eu mato
o mito
(Vitor Miranda)
um verso maroto
grandalhão torto
embaixo
do baixo
do chão
sei não!
deve ser
subversão
(Silvia Rabelo)
“No entanto, é preciso cantar. Mais que nunca, é preciso cantar. É preciso cantar para alegrar a cidade” – Carlos Lyra.

Mais Que Nunca!
A bala da moda é a perdida na balada nossa de cada dia.
Cidade partida sempre se mostra, roça as vidas: mil Rocinhas.
Não se queira que se dane o Rio de sangue e maravilhas.

Rio explode nas retinas e até pode virar minas.
Mais que nunca, cantar forte coletiva utopia.
E que Rio de recortes seja só em geografia.
Arte é campo sem divisas, vê além do que se expia.
Qualquer canto será grande sob o céu da poesia.
Delayne Brasil

Maloca
Minha mente é uma maloca
Uma área determinada
Uma terra demarcada
Pela indignação
Batido chão
Fio de alta tensão
Emaranhado
Gato
Esgoto a céu aberto
Ralo
Minha mente é uma maloca
Samba
Rock
Rap
Poesia
Cartolas Criolos e Mauris
Agredindo sua arrogância
Animando minha crença
No amanhã dessa criança
Que vive por aqui
Minha mente é uma maloca
De portas abertas pro mundo
E janelas com paisagens diversas
Que podem confundir sua razão
Minha mente é uma maloca
Vítima da má distribuição
De sonhos
E realização
É um portal
É um sarau
Onde a massa grita
Implora aflita
Por um diazepan
Minha mente é uma maloca
Um enigma
Uma contradição
O mundo inteiro
E a solidão
Quando manifesta
Rasura sua imaginação
Me fala
Me cala
Mas nunca consente
Uma maloca cheia de cor
E de gente
Indigente
Minha mente
Malu Pera

A matéria secreta
de que
sou feita
casca
raízes
folhas
devolve-me
a consciência
do
sangue/terra
que
me incendeia.
Essa secreta matéria
grãos
sementes
pétalas
reforça
a represa
que me sustenta.
A matéria secreta
viva
que
compõe
minha carne
é sol
que ilumina
a descendência
do meu futuro.
*
Mell Renault - "Patuá" - Editora Coralina

ETERNIDADE
A poesia é avis rara
num mundo raso.
A dúvida faz parte
de cada bago do poema.
O poeta trucida
o coloquial e seus oficiais.
Se o ofício do dia
é um batismo de sangue,
ele não teme as flores
dementes.
Se a lógica dos abutres
aponta para o óbvio,
o poeta agarra-se
ao mito que nunca morre.
Tito Leite II

Na Casa Mata de Si

não quero ser
poeta de vestibular
ter versos cantados
consagrados canônicos
com lastro de interpretação
resposta certa e errada
trabalhado em sala de aula
citado pelos grandes mestres.

Antes ser
o poeta riscado em banheiro
falado à boca miúda
escrito em cantos do papel
passado à mão de mão em mão
sobrevivendo escondido
com um fuzil
habitando o que resta
de nós.

Pedro Tostes
do livro Casa Mata de Si
Editora Patuá - 2019

temos rimas internas
rimos no meio das pernas
líria porto

PERDA (LÍNGUA)
A boca saliva alívio e, viva, a sílaba dá início à livra do cicio a boca abre a língua que não derrapa e depara em lenga-lenga, bota o marco-zero do lero-lero bifurca o caminho que estira a lira e bole a bile suga cega a saga e segue descosturando culturas dando tilt em kilt arremesso de maços cigarros em pizzas de alienígenas em passos passa a língua cruza anticrista a casca grossa da fossa o gerânio o arsênio os domínios dos demônios os anjos marmanjos as tulipas rezando evitar pântanos nos tímpanos e estrias nas estrelas.
Fabiano Calixto
no livro Nominata Morfina
Corsário Satã - 2014

ANTIGÊNESE
no princípio era a morte
em ruínas estáticas de esgotamento
desintegração em tecido único
um não-espelhamento em ponto cego
o breu exalando seu odor rançoso
à falta de caminhos possíveis
em seguida veio o verbo
a mão que se ergue no aglomerado
convocando a luz o reinício do pulso
desamassar ao convexo a face composta
fazer das cinzas seu sustenido etéreo
gerar da queda o ímpeto reverso
Amanda Vital
em Passagem - Editora Patuá, 2018


Love song
quando você me aperta o coração
cortando da gaivota
o silêncio
da solidão, o frio
aprendo aos poucos os acordes de "La Vie em Rose"
te dou metade d palavra amor
e espero do caminho,
a outra metade
Natália Agra
do livro De Repente Chuva
Corsário Satã - 2017
www.facebook.com/corsariosata

Só de raiva, hoje farei poesia
Só de raiva, hoje não admitirei a iniquidade,
não suportarei a impunidade, não
aguentarei a estupidez
Só por ódio (aos imbecis crônicos),
hoje cantarei os mortos, os desassistidos,
os desabrigados, os crucificados
hoje cantarei as mulheres baleadas,
as desassistidas, as desabrigadas,
as crucificadas,
quase todas quase que todas,
enterradas ou não,
quase todas quase que todas,
prestes a serem esquecidas
Mas, não hoje
Pelo menos, não neste poema,
pois hoje, só de raiva, gritarei,
estou gritando,
farei poesia
Hoje, de pura raiva, por desespero,
cantarei o amar,
com todas suas letras, contornos e gêneros,
e de tal forma e de tanta potência que, assim,
também farei desesperar os idiotas,
os imbecis crônicos empedernidos
que babam seu ódio visgoso e
não suportam, sequer concebem
o ato de simples amar
e, portanto, ainda com mais razão,
com muito mais raiva, cantarei o amor,
minha querida, minha amada,
cantarei o amor, hoje seremos amor,
hoje seremos, faremos, poesia.
-
HOJE FAREI POESIA
Claudinei 'Urso' Vieira
para Ingrid Morandian

linguagem

brincar com a língua
linguagem
como fulinaíma
fulinaimagem
com sagarana
sagaranagem
mallarmagens
mallarmé
um dedo no dado lance
um lance no dedo dado
baudelaire numa cortada
rasga a carta do soldado
poesia se reinventa
nesse lance mallarmado
não poeto de requenta
pra não ver o sol nascer quadrado

EuGênio Mallarmè

bacurau é bacaralho
quem sabe ela me leve
pro terreiro
bater tambor na capoeira
nas noites de sexta-feira
quem sabe ela me leve
para alguma encruzilhada
beijar a boca de Iansã
as quatro e dez da madrugada


TERRORISMO DOMÉSTICO

toda ira sanguínea direcionada
ao centro político
de um país em ruínas
– quem está comigo ? –
todo menosprezo e escárnio
lançados ao povo ( sufocado
por desgosto e impostos )
enquanto os ricos óbvios
reciclam a pobreza anônima
em periferias que agonizam
por negligência e frieza
– quem está comigo ? –
a massa ignara, manobrada,
alimentando o monstro nacional
cujo apetite desconhece
qualquer limite: estúpida república
de furto e conluio inconclusivo,
os fulcros do lucro auscultam
( incubus/ sucubus/ exus pedem justiça )
evangélicos esconjuram o assunto
jejuando nus a um jesus em decúbito)
– quem está comigo ? –
se somos ilhas, se somos bichos,
se somos lixo, se somos nada
além da soma do que é desprezível
– quem está comigo
para explodir Brasília ? –

Alexandre Guarnieri 
Alexandre Guarnieri (carioca de 1974) é poeta e historiador da arte. Integra o corpo editorial da revista eletrônica Mallarmargens. Casa das máquinas (Editora da Palavra, 2011) é seu livro de estreia. Em 2016, co-organizou pela Patuá a antologia Escriptonita (poemas tematizando super-heróis). Também lançou Corpo de festim [livro ganhador do 57o Jabuti/ 2a Edição pela Penalux], Gravidade zero (2017) e O sal do leviatã (2018). Seus três primeiros livros estão disponíveis online gratuitamente na plataforma ISSUU.

Para Caio F. por seu dia e por todo prazer que sua leitura me trás.
per aspera ad astra

Encaixo no seu ombro
Sinto seu cheiro espalhado
Aroma de mil flores
Jardineiro
Janelas me espiam
Acho que na verdade
é meu desejo de ser visto
por você escondido na persiana
por trás de seus óculos redondos
A loucura do mundo pesa como chumbo
Para quem se importa queima
como gás mostarda na trincheira
Ler-te é flerte
Romance com abismos
É despi-lo
por trás de seus óculos redondos
Começo a arranhar a superfície do seu enigma
sua poesia
Fratura exposta
Confissão inconfessável
Autópsia não pra saber a causa da morte
mas a de vida que
pulsa como um coração sobre as mãos
ou preso na garganta
por trás de seus óculos redondos
dentro de você reside todos os caminhos
seus caminhos
glo-ri-o-sa-men-te
Por que temos que ser algo e não nada?
Sinto que você sabe do que digo
quando me fiz barco a navegar
por trás de seus óculos redondos
labirinto
fecundo correnteza
incerteza
medo
corpo
beijo
parapeito


Tudo
porque ainda
sou menina
mym mesma na Balbúrdia
vai explodir adrenalina
Marisa Vieira

Tratado sobre a loucura
Um olho me vigia
Me oprime
Não me deixa seguir
Não me quer transgressora
Reprime os sentidos
Mas vou, sempre vou
Mas o amor me redime
Firo a ordem vigente
Por não me querer submissa ao patriarcado
Viro à mesa
Sou à minha maneira
Um olho me vigia
Não doma o que me inquieta
E não me ludibria
Ao me desejar banida
Tenho ideias, ideais
Se sou louca, suicida
Quem se importa?
De longe todos os poetas são iguais
Anna Maria Fernandes

UM PARA DENTRO TODO EXTERIOR
nada a esconder
mesmo que
muito por
saber
o mundo
é um
para dentro
todo exterior
por detrás
do dentro
apenas o
dentro
nada
é o que há
para além
do que há:
o oculto
às claras
fundura
em superfície
o mistério
sem segredos:
todas as coisas
ao alcance dos dedos
Paulo Sabino
do livro Um Para Dentro Todo Exterior
Editora Autografia - 2018

macerar
macerar a vida nas mãos
muito além da superfície
entrar com gosto, com todos os sentidos
nos labirintos das so(m)bras
amar muito além da pele
e das palavras da boca
amar os olhos e os seus desvios
amar o grito - jorro de vazios
amar os ossos, as vísceras, os rios
amar em mim e no outro o que fede
onde sangra
o que se esconde amedrontado
atrás das pernas fechadas do ego
amar cirurgicamente
cavando, curando, mexendo
que a vida, me parece
não é para os fracos de estômago
Clara Baccarin
do livro Vísceras - Editora Patuá - 2019

DEDO EM RISTE

Este poema não diz nada
da mesma forma
que a história não diz tudo.
Língua cortada:
este poema não fala
–falha.
E insiste:
dedo em riste!
Rubens Jardim



.::a pedra fundamental::.
a pedra lascada
a pedra bruta
a pedra lapidada
a pedra da gruta
tempestade de neve
tempestade de areia
tempestade interior
cemitério indígena
cemitério de elefantes
moinho
moendo água
redemoinho
remoendo a alma
pingo de gelo
estalactite estalagmite
d i n a m i t e
cratera na gruta
chuva de diamantes

Andri Carvão

Língua à Brasileira
Ó órgão vernacular alongado
Hábil áspero ponteado
Móvel Nobel ágil tátil
Amálgama lusa malvada
Degusta deglute deflora
Mas qual flora antropofágica
Salva a pátria mal amada
Língua-de-trapo Língua solta
Língua ferina Língua douta
Língua cheia de saliva
Savará Língua-de-fogo e fósforo
Viva & declinativa
Língua fônica apócrifa
Lusófona & arcaica
Crioula iorubaica.
Língua-de-sogra Língua provecta
Língua morta & ressurecta
Língua tonal viperina
Palmo de neolatina
Poema em linha reta
Lusíadas no fim do túnel
Caetano não fica mudo
Nem “Seo” Manoel lá da esquina
Por ti Guesa Errante, afro-gueixa
O mar se abre o sol se deita
Por Mários de Sagarana
Por magos de Saramago
Viva os lábios!
Viva os livros!
Dos Rosas Campos & Netos
Os léxicos Andrades, os êxtases
Toda a síntese da sintaxe
Dos erros milionários
Desses malandros otários
Descartáveis, de gorjetas.
Língua afiada a Machado
Afinal, cabeça afeita
Desafinada índia-preta
Por cruzas mil linguageiras
A coisa mais Língua que existe
É o beijo da impureza
Desta Língua que adeja
Toda a brisa brasileira
Por mim
Tupi,
Por tu Guesa
Luis Turiba


CANTO
Minha amada
entrou comigo no bosque
e lá ficamos andando
entre os pequenos animais.
Nossas mãos estavam juntas
e assim ouvíamos o canto
dos pássaros que haviam
imigrado no inverno.
Eram belos.
Suas penas traziam cores raras
nunca vistas em nenhum outro bosque.
E lá, eternamente, ficamos ouvindo
os nossos corações e os cantos
dos pássaros que fugiam do inverno.
 Celso de Alencar

a senhora gumes
não aceita inseticida
nem agrotóxico na comida
não quer morrer envenenada
a senhora gumes
está ensandecida
com a covardia do supremo
no extremo da canalhada
tomar o país no golpe
nas tramoias do Alvorada
  
SPOILER
Lembro que você me contou
uma história incrível.
Embora não lembre a história,
sou capaz de soletrar,
inclusive, a brisa que,
por um microssegundo,
inflou a cortina da sala.
(Um pedacinho de uma tarde
dentre as trilhões de tardes
que existiram naquela tarde.)
Lembro as pausas,
a música dos seus braços,
o cabelo tirado do rosto
no momento exat(Um bombom de ternura
com licor de naufrágio.)
Marcelo Monte Negro

Algo sobre céu
Pousam nas xícaras da noite passada
borboletas da Índia, tons de corais.
Sobre a borra de café, aroma salino
e profundo do Índico.
Asas transparentes, projetam azuis
no banco silencioso e frio da parede
como se fosse primavera.
Telas de anjos e outras divindades
(dessas que não lembramos de onde vem)
como se vivas, vertiam lágrimas
intactas pétalas de flores
bordando o tapete da sala
da mais pura igualdade e paz.
Nas borras do café da noite passada
abriu-se cristalino, o destino
nas asas das borboletas da Índia
no cheiro de incenso de mirra.
E todo ser fez-se um pedaço do Divino
pausa no tempo, no acorde menino
por instantes, o brinde do vinho
e tudo em volta fez-se céu
e tudo em volta, céu
profundamente céu.

Tonho França
Do livro Quarto de Azulejos
Editora Penalux - 2014

 Minha poesia é assim
assim mesmo
às vezes fragrância delicada
outras
fio de navalha
guerra declarada
contra os que derrubam
incendeiam a FLORESTA para plantar soja
encher de bois a invernada...
Minha poesia é assim
assim mesmo
a minha cara
cuspida
escarrada...
Paulo de Barros
le gumes
para Jiddu Saldanha e Tchello d´Barros
o gume da minha faca
ainda está bem afiado
quando fura sangra
rasga o pano
não é fake nem funk
é punk koreano
poesia é uma farra
dionisíaca pras bacantes
em cada peito diamante
pulsa o coração desesperado
barato a todo vapor
um grito no pulmão suor secreto
o beijo na boca de uma noite enluarada
o gozo em cada língua em cada gume
de uma faca cada vez mais afiada
se o cristo redentor deixasse a pedra
na certa nunca mais rezaria pares nossos
na certa só faria poesia com os meus ossos
vamos meu amor
fortalecer a parceria
reinventar os guetos
nas marés nas tempestades
nos vendavais na ventania
ressuscitar as arte manhas
como antes se fazia
exterminar todo esse horror
com explosão de poesia
revista gueto - número onze

Artur Gomes
Fulinaíma MultiProjetos
Fil Buc - Produções
Coletivo Macunaíma de Cultura
contatos:
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