domingo, 14 de julho de 2024

O Peito Perfurado da Terra - por Milena Maria Testa

 

 

Prefácio

 

Obra poética necessária, tive a grata surpresa de ser convidada a realizar a leitura sensível e fazer o prefácio de “O Peito Perfurado da Terra”. Yara  Fers é poeta de repertório e capacidade  para dar à luz este livro, que tem o diferencial de apresentar o humano como natural, perfurando uma chaga aberta com a potência dos versos.

 

A obra trata da conexão imbricada entre  ser humano e meio ambiente, com foco nos danos queriam decorrentes da exploração do sal-gema pela mineradora Braskem, desde a década de 1970 em Maceió, capital das minhas Alagoas, danos que atingiram, principalmente, os bairros do Pinheiro, Bebedouro, Mutange e Bom Parto, em evidência a partir do abalo de terra de março de 2018.

 

O título é direto. Quem ler “O peito perfurado da terra” sabe que vai encontrar uma obra a despertar sua sensibilidade e tocar a racionalidade essencial ao pensamento crítico. Nada mais bem-vindo em tempos de discussões acirradas sobre mudanças climáticas, migrações causadas por alterações no meio ambiente e gradual escassez de recursos naturais que sustentam a vida – incluídos os seres humanos – há tantas gerações.

 

De início, destacam-se a pertinência e a relevância da obra, pela urgência do tema e recenticidade do evento específico que a motivou. O texto de abertura (“o afundamento”), sinaliza a que veio “O peito perfurado da terra”. Poema estruturante acerca da temática principal do projeto, o poema denuncia:

 

já havia relatório afirmando que o local era inapropriado.

relatório ignorado (...)

(...) a população não foi consultada,

a empresa  se redime de responsabilizações futuras

e fica com a posse dos imóveis desabitados.

(...) já ganhou e ganhará mais ainda com a tragédia.

tudo feito com anuência e fiscalização dos órgãos públicos.

 

Entretanto, não se engane a pessoa leitora. A expansão do dizer chega a outras ações que alteram profundamente  a natureza e a vida humana como parte dela. Os versos seguem ampliando a visão socioambiental, com a universalização da mensagem. O registro dos danos causados pelas guerras, por exemplo, escancara a conexão entre o bicho humano e  o planeta.

 

A artesã das palavras, a autora sabe ser direta e sabe ser sutil. Recursos diversos desfilam em sua obra, com figuras de linguagem e estética impecáveis. A diversidade da letra poética  de Yara brinda quem lê  com toda uma gama de possibilidades, do poema mais narrativo ao metalinguístico, expandindo a função máxima da poesia: apresentar o mundo de outra forma.

 

A estética também é uma marca, desenhando a forma por trás do conteúdo lírico. É a dor da terra perfurada, os versos que escorrem como água-lágrima da lagoa envenenada, e também a tessitura-célula do “filé”, arte manual das rendeiras alagoanas, uma inspiração. Em “furo”, temos a completude, em “desestrutura do solo” e “fissura”, a especificidade e a forma apurada; “cidade-corpo” traz a ecopoesia manuelina, como já exibida em “tremor”, em que se reverá o buraco desse corpo-natureza atingido de morte:

 

e então

o oco do peito

ferido da cidade

inspirou fundo

um suspiro triste

 

sugando a superfície

 

o corpo que

eras atrás

ergueu músculos de falésias

(...)

 

Iniciei este prefácio tratando da boa surpresa sobre a obra. Contudo, o melhor, se é possível assim me referir à minha satisfação, confirmou-se ao final da leitura: há esperança. Na seara da poesia da natureza, mostram-se a reflexão de “refundação” e a reconciliação de “reverência”, um suspiro para o refazimento da natureza, além do humano.

 

ouvir as histórias

que as camadas sedimentares do solo

têm pra contar

(...)

reparar na sinfonia

que se compõe

entre o sabiá, as folhagens e o vento

(compreender que somos

                  parte da música)

(..)

 

Entre se restringir à dor ou apostar no futuro, por não sermos paisagem, mas fruto e semente, a poeta faz uma opção clara, porém consciente de que a natureza pode prescindir do bicho que a destruiu.

 

Maceió, 02 de abril de 2024.

 

                Milena Maria Testa

                                   Escritora

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Pátria A(r)mada 

https://arturfulinaima.blogspot.com/


Yara Fers, é paulista de Ribeirão Preto, mora na Bahia. Vive de escrita e literatura, atuando como editora, professora e mentora de escrita. Criou a editora Apilhera, de livros artesanais. É editora de comunicação do Portal Fazia Poesia. Possui graduação em Comunicação Social e Especialização em Teoria da Literatura e Produção Textual. 

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