despautério de torquália
nada demais
se o muro é pintado de verde
não sei se ainda quero ver-te
neste país do carnaval
lírico demais
se os planos são enganos
para mim tanto faz
as perdas e os danos
eu sou como sou: vidente
e vivo tranquilamente
todas as horas do fim
se o poeta é um anjo torto
a tarde já nos traz
o corpo de um outro morto
agora não se fala mais
toda palavra é uma cilada
o início pode ser o fim
do começo que não deu em nada
eu sou como sou: vidente
e vivo tranquilamente
todas as horas do fim
nada de mais
se quiserem roer o osso
já não estou nem aí
como geleia até o pescoço
nada de mais
se a palavra é precipício
o que fica tanto faz
a poesia já não corre risco
Herbert Valente de Oliveira
leia mais no blog
https://fulinaimacarnavalhagumes.blogspot.com/
Big Brother Global
.
O Grande Irmão
ilude
vigia
vende
(me) (se)
(lhe) (O)
Grande Irmão
.
Detendo a minha imaginação
o meu pensamento
as minhas pulsações
Até mesmo este lamento
sob a tutela do Grande Irmão
.
O Grande Irmão o brinquedo
desejado por todas crianças
Sua babá, Seus pais, Sua escola,
Sua pose já natural para a self
entre uma e outra brincadeira
.
Pois nada mais existe
longe da benção ou do não
desse grande espião
Nada padece ou floresce
ele não tenha registrado
processado em código barra
.
O Grande Irmão na analogia com a experiência
dos eletrodos ligados ao primata
Estimulando seus centros de prazer
o botão na jaula com o leão
Apertado incessantemente por ele
(até à morte pós trabalho e exaustão)
.
O sino que condiciona o cão
O maior ídolo falso
desde o bode de ouro
O maior de todos os tentáculos
porque milhares, milhões,
infinitos,
.
O Grande Irmão sempre presente
na cama dos amantes
(nos confessionários)
Antes, durante, depois,
beijando o beijo dos namorados
impregnado em todos os lábios
.
O Grande Irmão também
levo na mão, nos olhos, na mente
nela erigindo pontes
Impedindo o aprendizado profundo
tornando a realidade sem-graça
.
O Grande Irmão me beija à mão
antes de algemá-la a
sua meta de mega
pixels e padrões inalcançáveis
.
Despejados no coração
Então me sinto frustrado
(pois assim consumo mais)
E irritado que não os alcancem
(não alcancem o impossível)
.
Pois em seu universo paralelo
: se há goteiras, não caem na cabeça
: se há tombos, na canela não doem
O dito imperfeito só há na
publicidade de cosméticos
(acesse o aplicativo, saque da conta)
.
O Grande Irmão oferecendo
o que eu não precisava ter
mas me sinto obrigado a
e a satisfação passa rápido
.
Já que, só ali, o estímulo é contínuo
A ditadura é perfeita
invisível – disseram
Ainda que às vistas
na melhor das estratégias
.
Quem poderá
contra o
Grande Irmão?
.
.
*daniel ricardo barbosa.
.
(na imagem, uma outra obra de Pawel Kuczynski.)
três poemas
pelo fim de todos
os janeiros
etílicas elucubrações noturnas
desprovidas de senso prático
se fosse poesia não seria isso
seria sangue - sêmen - vício
fálico artifício
inflado orifício
a festiva perda completa
da mais viva vida inteira
o íntimo entalhe preciso
dessa dor mais derradeira
uma paisagem de garrafas
uma cidade cantando
o riso escorrendo solto
da boca dos morros
se fosse poesia
e sem saber até quando
........................................................................
o futuro chegou tarde
nunca fomos tão longe
nunca caímos tão baixo
........................................................................
um poema nasce
dentro do ouvido
o sentido
fora do corpo
a cidade
sobreTudo
fora da palavra
nada existe
dentro
tudo escuro
........................................................................
duas cervejas servidas
em um sol amarelo - manteiga
o júbilo arregalado
dos teus rútilos olhos súbitos
se fosse poesia
seria isso
Intertexto :
Dionísio Ares Afrodite
Paulo Lemimski
não houve acerto
entre fartura e ofício
a rota perdeu o rumo
o resto partiu a reta
o que falta eu sinto
e com isso eu finto
o que fácil me cala
e infiel me mata
mesmo que sentido
não haja bastante
e a foz talvez
não se alcance
fica esse arado
inscrito no rasgo
a fértil fúria
do acaso
de sermos isso
e mais nada
dois signos surdos
em mais uma dor suja
em busca do
súbito salto
da mais profunda
palavra
um céu escuro
dentro da boca
da inquietude
espectral das
hostis esferas -
pandemônios
migratórios
encerram
colapsos -
lábios leporinos
aceleram
urbanas
urgências -
carências
estomacais
roendo
o traçado
disforme dos
passos -
pássaros tortos
mortos no chão
azul da tarde -
usinas de urânio
cercam praias
petrificadas -
um exército
de palavras
cerzidas em
um céu escuro
dentro da
boca -
torrenciais
insanidades
nas bordas
peludas do
corpo -
poetas per
versos e
pernósticos
renomados
disputam
espessos
espaços -
indômitas
caravanas
apocalípticas
vendem
tropicais
cataclismas -
o vício da fome
devorando
tudo -
nossa
paisagem de
ossos - destroços
- janeiros de
sangue no
pescoço das
plantas
garbo gomes
janeiro/ 2024
UVA.PR.BR.
Arte:
A canção do rouxinol à meia -noite
e a chuva da manhã
Joan Miró
( 1940 )
— em União da Vitória
O ENCONTRO
A vida em sociedade sempre lhe fora hostil, razão pela qual buscava a solidão. Encontrara, portanto, o lugar ideal: um casarão mal-assombrado, cujo aluguel cabia folgado em sua aposentadoria. Pudera. Ninguém conseguia morar no local por muito tempo: barulhos de corrente, louças voadoras, vultos furtivos – tudo isso desvalorizara drasticamente o imóvel.
Ele, no entanto, não dava a mínima para essa questão. Convivia tranquilamente com os fantasmas da casa, local que no passado foi cenário de um incêndio que vitimou toda uma família. A mesma a quem atribuíam aqueles distúrbios sobrenaturais.
Um dia, ruídos no quarto despertaram o novo inquilino. Ele abriu os olhos e na semi-escuridão vislumbrou ao seu redor um grupo formado por dois adultos, um adolescente e uma criança. Todos lhe sorriam.
Deles não sentiu medo, pois já sabia quem eram.
O chefe da família adiantou-se e estendeu-lhe a mão: “Seja bem-vindo”.
O inquilino estranhou. Afinal, convivia com eles há meses. Por que então só agora resolveram aparecer para lhe dar as boas vindas?
A estranheza desfez-se quando se voltou para cama de onde se levantara. O que viu não o assustou; pelo contrário, trouxe-lhe até certo alívio. Já não teria mais necessidade daquele corpo solitário. Dali em diante tudo seria diferente. Finalmente, havia encontrado uma família.
[Wilson gORj]
VÊNUS EM TOURO (Poesia, 2021)
ORNELLA RODRIGUES
toda vez
que uma
lágrima
cai
ou meu gozo
explode
escrevo
um verso
as palavras
saem de mim
molhadas
como uma
enxurrada
que não consegui
conter
-
De um coração molhado, escorre um rio quente feito diamante derretido – das cores do planeta Vênus. Rio-desejo que percorre fomes, não para saciá-las, mas para desatar delas gemidos, frequências sonoras vivas de tudo que faz brotar: palavra. Mas rio que também seca, míngua, entre lunações que pulsam o tempo das saudades, ausências e medos. Sem, entretanto, jamais deixar de correr, jamais resignar-se, jamais desistir de entregar-se aos temporais de carnes famintas por voz e gozo. Vênus em Touro, de Ornella Rodrigues, é uma obra que tempera cada pedaço do que em nós é tesão, para devorar sem medo. Poesia que nos engole com lábios doces, sem mastigar, para sorver dos sexos tudo que é delírio e embriaguez. Pulsa um convite para a entrega, para a coragem dos mergulhos, para o encontro da água com as pedras. Labirinto feito pra se perder – dentro de onde vive seu Touro selvagem e ingovernável. - Raíssa Éris Grimm Cabra
-
Ornella Rodrigues tem 43 anos, natural de Santos\SP. Mulher de axé, feita no candomblé em Oxum e Oxalá, é escritora, poeta, fotógrafa e arte-educadora. Seu processo artístico dialoga entre versos e imagens, resgatando memórias afetivas do corpo e da alma. Em seus últimos trabalhos “Cartogra a afetiva, ancestralidade viva” e “Lua em exílio: amor em tempos de pandemia” (elaborados com fotos, vídeos e poesias), a artista revela sua busca por identidade, ancestralidade e, sobretudo, amor e afetividade. Possui um livro publicado intitulado “Como domar um coração selvagem”, lançado em 2018 pela editora Fractal, alguns trabalhos acadêmicos vinculados a movimentos sociais. Administra a página “Manual sobre amor e guerrilha”, que visa publicizar escritas de mulheres e participou de três antologias poéticas de mulheres negras em São Paulo/SP.
Capa Brochura - formato 14x21 cm - páginas 72
Claudinei Vieira – Desconcertos Editora
Desencanto.
Já foi onda forte.
Mar revolto e revolta,
aqui dentro.
Mesmo em águas calmas,
sempre beirou correnteza.
Arrastando sonhos.
Desaguando lágrimas.
O pescador que vive de ilusões,
não teme o barco,
que pode virar,
nem da morte,
que pode lhe levar.
Mas um dia,
a noite vem.
E com ela, tormenta.
Que atormenta o coração.
Cobra escolhas na indecisão.
Pede luz na escuridão.
Nadar em alto mar,
sem proteção.
A procura de um tesouro perdido,
promessas de um livro,
que naufragou.
Ou atracar seu barco,
numa ilha qualquer.
E condenar se a solidão perpétua,
e serena.
Deixem que as ondas,
a levem às profundezas,
as tantas incertezas.
E beijem meus pés cansados,
pisando no calor da areia macia.
Embora a água não é doce,
e o sal queima.
Ainda assim,
acalma um coração aflito.
Conforta na rebeldia.
Talvez não seja nessa vida,
encontrar outro barco à deriva.
Então que se vá,
que se perca no mar.
Sonhar em vão,
é como pássaro,
comendo migalhas no chão,
deixadas pelos cães.
O pescador tem pressa,
de deitar na rede e descansar.
E não se preocupar,
se o sol vai brilhar,
se a chuva vai cair.
O encontro tão sonhado,
as vezes; não é pra todos.
Somente a morte é certa,
é rompante.
operação de risco
no Vampiro Goytacá Canibal Tupiniquim assumo o kabrunco como sobrenome de um dos 12 apóstolos de zeus na profana e canibalesca santa ceia para provocar os lobisomens assombrados espalhados pelos laranjais de são francisco
leia mais aqui
ainda penso nela
quase piro
quase morro
sem ninguém
pra pedir socorro
nem um freudiano por aqui
pra me socorrer
vão me deixar morrer
nem marisa vieira
mayara ou bruna
muito menos jurema
cabloca de iracema
que amparou o dinamite
tanto faz que eu chore
tanto faz que eu pire
tanto faz que eu grite
posso morrer de ócio
posso morrer de cio
posso morrer de gripe
elas não estão nem aí
pro meu palpite
posso cheirar o bem-me-quer
ou mesmo as flores do mal
posso até dançar de buda
nesse próximo carnaval
Federico Baldelaire
leia mais aqui
bruna
é quando a bruma
ainda espuma
espora e sal
em branca areia
eu encantado
ela sereia
Federico Baudelaire
ainda não sei
se baudelérico ou baudelírico
só sei que ando meio mallarmélico
completamente absurdado
com esse leite condensado
na minha língua do delírio
EuGênio Mallarmè
https://personasarturianas.blogspot.com/
Já notaram que ultimamente, quanto mais desprovida de talento e de beleza natural, a pessoa tem de se expor ao máximo e ultrapassar todos os limites da baixaria para atingir fama?
O que tem de gente feia e sem talento, mas se achando a Lady Gaga "não tá no gibi", como diria minha avó, que, diga-se de passagem, era um mulher lindíssima.
Na outra ponta deste desespero por atenção, esta Nita Strauss, esta simpática moça da foto, a qual, convenhamos, não lhe falta nenhum atributo físico admirável, certo?
Nascida em 7 de dezembro de 1986, Nita é considerada uma das maiores guitarristas do mundo, se destacando por seus trabalhos como guitarrista em turnês com Demi Lovato e Alice Cooper, além de ter uma carreira solo de sucesso.
Nita começou a tocar guitarra em tenra idade e desde então tem conquistado prêmios e reconhecimento por sua habilidade excepcional.
Entre seus prêmios, em 26 de janeiro de 2019, Nita foi homenageada no 7º Annual She Rocks Awards com o "Inspire Award", além disso, foi premiada com um anel do Super Bowl pelos Los Angeles Rams, em reconhecimento ao seu talento como uma das principais guitarristas femininas do mundo.
Sua versatilidade musical e talento inegável a tornaram uma figura proeminente no mundo da música, sem necessariamente ter de executar coreografias ginecológicas e nem urrar palavras de baixo calão.
Percebem a diferença entre o sublime e o ridículo?
Via A Toca do Lobo https://www.facebook.com/atocadolobomau
PULS.O.S. (Poesia, 2021)
Dailor Varela
Meu nome;
nada além do que nomeia a dor
Lâmina de sol
esquarteja
o amanhecer
Flor de sangue
se multiplica
no nada da paisagem
______________
Trancado no quarto
imaginava cidades.
A mudez de meu pai passeava à beira-mar.
Peixes mortos e vísceras
num sujo oceano
____________________
Adubo utopias e papoulas
para meu íntimo o último grito
Na ácida ferrugem da tarde
Polir o aço do gatilho
Morto deixarei memórias
de letras e papéis.
Rascunho de sonhos
Espelhos quebrados
rasgam todos os dias.
Meu travesseiro de peixes e estrelas
Dailor Pinto Varela, jornalista, poeta, Nasceu em Anapólis (GO) em 10/06/1945 e faleceu em 15/04/2012 em São José dos Campos-SP, com treze livros publicados, a maioria de versos e de poemas visuais. Trabalhou na Imprensa de Natal. Em Paulo trabalhou na Revista VEJA e na Folha São Paulo. Editou com sua lha Maíra o tablóide cultural “O GRITO” em São José dos Campos, SP. Participou da campanha de alfabetização do sociólogo Paulo Freire nos tumultuados anos 60, quando estourou o Golpe Militar de 64. Também fez pesquisas de campo para diversos livros do folclorista Luís da Câmara Cascudo entre os quais “História da Alimentação no Brasil”. É citado nos livros “Os Cem Melhores Poetas Brasileiros do Século” de José Nêumanne Pinto, Enciclopédia da Literatura Brasileira de Afrânio Coutinho, entre outros.
Capa Brochura - formato 14x21 cm - páginas 100
Claudinei Vieira – Desconcertos Editora
DEPOIS
ainda é dia no meu corpo
quando recebo teu nome
em gotas de silêncio
derramado sob o sol
nenhum sussurro nasce da boca
minguada feito a lua
e anoiteço como escura catedral
[remanso de relicário e tecitura]
a água escorre até os pés
lava a carne viva
refletida em azulejos
leva teu claro cheiro rumo ao ralo
decanta emoções, desfaz vestígios
e sem teus rastros
a noite cai
numa mudez vasta, espessa
concreta como uma dor sem cura
recolho-me às águas e seus silêncios
Marcia Friggi
(Foto do Henrique Friggi)
Feliz por voltar a escrever com mais constância e disciplina depois do retorno às oficinas do Claudio Daniel . Obrigada, Mestre!
Eugénio de Andrade
*
É um fardo aos ombros
o corpo, sem ti.
Até o amarelo
dos girassóis se tornou cruel.
Não invento nada,
na arte de olhar
a luz é cúmplice da pele.
PRECIPÍCIOS TÃO PROPÍCIOS
No teto do céu
tentei pendurar precipícios
quem sabe a chegada ao chão
seja apenas um roçar de asas
a trocar de roupa
na dimensão da alma.
De que será feito o meu olhar
- mudo como um silêncio -
a se perder de vista
depois do teto do céu recortado em algodão?
No teto do céu
tentei pendurar precipícios
depois cortei minhas amarras com os dentes
era dura como arame
a corda que pendurava meus precipícios
- minhas amarras rangendo os dentes.
Estreita, tão estreita
a relação entre a minha distração
e um céu regado a precipícios tão propícios.
- por que precipícios
estão predestinados ao chão?
(Nic Cardeal, 25.01.2019 - imagem do Pinterest)
fulinaíma sax blues poesia
ela era Bruna
em noite de blues rasgado
soltou a voz feito Joplin
num canto desesperado
por ser primeiro de abril
aquele dia marcado
a voz rasgou a garganta
da santa loucura santa
com tanta força no canto
que até hoje me lembro
daquela musa na sala
com tua boca do inferno
beijando meus dentes na fala
Artur Gomes
Pátria A(r)mada – prêmio Oswald de Andrade – UBE-Rio – 2020
2ª Edição revista e ampliada 2022 – Desconcertos Editora
leia mais aqui
https://arturgumesfulinaima.blogspot.com/
... velhos esqueletos verdes de antigos generais; vestidos de musgo e ranço desfilam pelas ruas. Múmias empoeiradas, em frangalhos, batem bumbos acompanhadas por fantasmas burocratas, saídos dos porões
sombrios de um tempo morto, embrulhados em brumas, as acompanham em uma tétrica
procissão...
William Sertório
Minhas mãos erguidas em catadupa de silêncios
O rasgo abrupto do destino estilhaçando
Denúncias em espera
Nos parapeitos da angústia
Transbordante deste chicotear constante
Onde me dás a beber licor.
E teus olhos intactos
Onde bebi goteiras de mar
Em minha íris rasgada
Beijada por feras
Roleta russa alucinante,
Escarlate onde perdi
A essência das rosas,
Onde me roubaram o negro
Das pérolas.
(Já perdi a noção do que é 'ser-se'
tendo a plena consciência neste momento
em que escrevo
de não 'ser' coisa nenhuma).
Adeus, meu amor.
Célia Moura, a publicar
Denis Buchel Photography
A Hora Íntima
(Vinícius de Moraes)
Quem pagará o enterro e as flores
Se eu me morrer de amores?
Quem, dentre amigos, tão amigo
Para estar no caixão comigo?
Quem, em meio ao funeral
Dirá de mim: — Nunca fez mal...
Quem, bêbado, chorará em voz alta
De não me ter trazido nada?
Quem virá despetalar pétalas
No meu túmulo de poeta?
Quem jogará timidamente
Na terra um grão de semente?
Quem elevará o olhar covarde
Até a estrela da tarde?
Quem me dirá palavras mágicas
Capazes de empalidecer o mármore?
Quem, oculta em véus escuros
Se crucificará nos muros?
Quem, macerada de desgosto
Sorrirá: — Rei morto, rei posto...
Quantas, debruçadas sobre o báratro
Sentirão as dores do parto?
Qual a que, branca de receio
Tocará o botão do seio?
Quem, louca, se jogará de bruços
A soluçar tantos soluços
Que há de despertar receios?
Quantos, os maxilares contraídos
O sangue a pulsar nas cicatrizes
Dirão: — Foi um doido amigo...
Quem, criança, olhando a terra
Ao ver movimentar-se um verme
Observará um ar de critério?
Quem, em circunstância oficial
Há de propor meu pedestal?
Quais os que, vindos da montanha
Terão circunspecção tamanha
Que eu hei de rir branco de cal?
Qual a que, o rosto sulcado de vento
Lançara um punhado de sal
Na minha cova de cimento?
Quem cantará canções de amigo
No dia do meu funeral?
Qual a que não estará presente
Por motivo circunstancial?
Quem cravará no seio duro
Uma lâmina enferrujada?
Quem, em seu verbo inconsútil
Há de orar: — Deus o tenha em sua guarda.
Qual o amigo que a sós consigo
Pensará: — Não há de ser nada...
Quem será a estranha figura
A um tronco de árvore encostada
Com um olhar frio e um ar de dúvida?
Quem se abraçará comigo
Que terá de ser arrancada?
Quem vai pagar o enterro e as flores
Se eu me morrer de amores?
via Hélio Gomes pelo face
não houve acerto
entre fartura e ofício
a rota perdeu o rumo
o resto partiu a reta
o que falta eu sinto
e com isso eu finto
o que fácil me cala
e infiel me mata
mesmo que sentido
não haja bastante
e a foz talvez
não se alcance
fica esse arado
inscrito no rasgo
a fértil fúria
do acaso
de sermos isso
e mais nada
dois signos surdos
em mais uma dor suja
em busca do
súbito salto
da mais profunda
palavra
garbo gomes
Arte :
Ivo Machado
recife ontem
era só pedra da boa viagem
o mar fugiu do horizonte
e o carnaval está nos muros
e paredes que dançam
ao som dos maracatus
do mato
fotografei um retrato
nas ladeiras de olinda
mas não era linda a íris
na retina da menina
que pariu antes dos 15
Federika Lispector
metáfora por metáfora
se ele pensa
também penso
mas não compenso
carência de ninguém
e vou além
do outro lado do carne
tudo o que está
dentro ou for do corpo
o que vai e vem n a hora do sexo
se não me agrada
meto a faca
corto metáfora por metáfora
o músculo/pênis
que não me deflora
Rúbia Querubim
A Mocidade Independente de Padre Olivácio – A Escola de Samba Oculta No Inconsciente Coletivo, nasceu em dezemvro de 1990, durante uma viagem em que cia de Guiomar Valdez, levamos uma turma de estudantes da então ETFC(IFF), a Ouro Preto-MG, como premiação por terem vencidos a Gincana Cultural desenvolvida durante o ano, pelo Grêmio Estudantil Nilo Peçanha. Lá conheci Gigi Mocidade – A Rainha da Bateria, com quem vivi até 1996.
A Igreja Universal do Reino de Zeus, criei em 2002 durante a 1ª Bienal do Livro de Campos dos Goytacazes-RJ, que foi realizada nas dependências do Ginásio de Esportes do então CEFET-Campos, onde na ocasião lancei o livro BraziLírica Pereira : A Traição das Metáforas.
O grande objetivo da IURZ é homenagear deuses deusas da África e Grécia para de alguma forma descobrir de onde vem as nossas ancestralidades. De alguma forma e em alguns momentos mitologia grega e africana se misturam e viajando metaforicamente nessas realidades reinventadas vim desaguar no Vampiro Goytacá canibal Tupiniquim.
Artur Gomes
https://arturgumes.blogspot.com/
O Homem Com A Flor Na Boca
Um Canibal Tupiniquim
por Fernando Andrade | escritor e jornalista
Um homem cita um poema de nome. O músico já usou a cítara para musicar este poema pelo nome. Tudo já foi transformado, o poema para canção, a rima comeu a melodia e fez troça e troca de nome. Mas o poema do livro O homem com a flor da boca, da editora Penalux, nos devolve este país, do samba, do riso piada, Leminski, a força do ato canibalista de deglutir o que veio antes da poesia concreta, até a letra da canção de Luiz Tatit. Artur Gomes fez das suas, com tanta fome, comeu a maioria dos poemas que leu na vida e canibalizou e carnavaliza referências, citações, humor de longa estrada, ou beira de bar, trabalhando com gume de faca afiada e o lume de um pôr do sol em Ipanema, lembrando Vinícius.
São poemas bons para musicar tanto na solidão de um violão, quanto, atravessada por uma voz tenor, sax soprano. E não falta sexo, sacanagem, tesão, nas palavras das palavras num atravessamento em plena Quarta feira de cinzas, no resultado do carnaval. O desbunde da bunda, o levante dos órgãos, a gíria, e a menina com fio da linha escrita, carregando anedotas, fábulas e circos. O poeta não faz gênero, ele é macho, e fêmea, Simone, em segundo sexo. São poemas para emprestar ao amigo que está com fone de ouvido se atentar para a prosódia do verso, para quem sabe não copiar e transformar Amor em flor na boca.
sacramentum amoris
havia o silêncio
cúmplice
das mãos
que se desejavam
em promessas incertas
de um futuro sedento
havia a distância
dos anos
medidos pela proximidade
dos sonhos
de pertencimento
havia planos
em poesias bagunçadas
pelos enganos
dos acontecimentos
trazidos pelo vento
havia o homem
a mulher
a maçã
e a serpente
todos dispostos
ao pecado bento
havia um deus
que deu de ombros
e caminhou
com seu plano
soberano
de advento
em enquadramento:
o carrasco
resignado em seu fardo
abastecido de sofrimento
a cruz
arrastada
em sua trajetória de tortura
como instrumento
a plateia
instituída em regras
de seu próprio
mandamento
o calvário
símbolo do
aviltamento
coube ao sepulcro
abrigar o amor
inaugurar o livramento.
Flávia Gomes
um cigarro e uma prece
antes que a luz nos invada
enquanto ainda dorme
a realidade
acendo o cigarro
te observo em procissão
ruas, veias e vielas
entregues aos contornos
dos corpos impressos
em emaranhados de algodão
tua ossatura pesada
agora flutua
leve
desguarnecida
entre estreitos fachos
que intensificam minha atenção
a cicatriz
as manchas da tua existência
desfilam nuas
livres
encarando corajosamente
minha resistência
te vejo
homem
em corpo e vigor
te vejo
menino
em sono profundo
esquecido do mundo
sentada sobre o parapeito
fumaça contra luz
em prece
sussurrei
tentação
livrai-me de culpas
autossabotagens
estamos fu(n)didos
Amém.
Flávia Gomes
foi por pouco
quase me afoguei nas sombras
como os outros.
o mar é suntuoso em seus cantos,
não fosse a luz
estaria condenada,
se é que não estou,
quando todos estamos.
fui tragada por um corpo,
arrastada ao seu fundo
mais profundo
no ato de amar,
mas o fundo da sombra
é um sem fim ao que parece,
então que devia estar delirante
pelo sal
e uma réstia de Sol se abriu à minha frente
em linhas paralelas
me dizendo, siga
o nascente
...foi por pouco,
num pulo saltei no fora
e me era um dentro de um outro
objeto de abrigar meu dentro
onde perdi o fio traseiro e me multipliquei
em uma fita aberta
que se fechou invólucro,
ao calor do espaço.
me sou
e cada dia me sou mais...
vértebras
se aprontam e se esticam,
e um ritmo me toma
em pulsares intermitentes
que não dizem das horas,
mas já começam a me marcar o tempo.
ou o será o fim?
tudo é líquido amniótico
e fora antes, de outra forma,
seminal
e será depois...
não sei como.
assim como sempre haverá esta corda,
a que me sustenta,
célula tronco.
talvez seja isso... um saltar-se
de corda em corda, e
viver é um fio que te liga a outro fio
e não se sabe quantos.
me alongo, me amplio
e embora só,
ouço ruídos.
uns são meus, eu me sinto
e sinto tudo
que pareço só instinto.
fervo a todo instante, e
me encontro em tal tamanho
que as paredes que me seguram
se arrebentam, como uma torre que desaba
e estou no calabouço
não... estou no dentro
dentro de mim,
no mais profundo
e este mar menor, que o de antes
ou de quando aqui cheguei,
me aperta o corpo todo.
***
vejo o Sol
uma força me empurra
me agarro ao fio envolto
em meu pescoço
.tudo me dói,
chego a este mar de sons e frio,
silente.
ele me assusta por ser oco
e sem gosto,
enquanto sufoco e num solavanco
algo cortante adentra minhas narinas
e sinto o golpe do primeiro sopro.
há luzes em todos os cantos
que irritam minha retina
ainda assim sou sombra
como tudo que desconheço,
e me assusto.
uma dor me invade novamente
o traseiro,
meus olhos enevoados choram
e grito,
parece que minha sombra
quer pular de fora de meu dentro
para o entre,
mas uma mão áspera me afaga, e
me envolve, e me leva ao seio.
***
muito tempo se passa e
hoje me entendo gente
sou uma caminhante nas horas,
cheia de afazeres
e dizeres,
cato minhas sombras,
para não arder de febre nos dias quentes,
me envolto em trajes,
nos dias frios cortantes.
ainda hoje me amplio
enquanto me encolho,
andei rompendo minhas cascas
e não sei se elas se romperam por si,
como minha pele.
minhas vértebras reclamam
meu peito está em arritmia,
tudo em mim é líquido;
muco, lágrima, sangue, suor
urina, o pus da ferida...
os movimentos me afetam,
mas algo me arrasta
e tropeço,
não sei se temo a luz
ou o breu de quando durmo...
ei de nascer
novamente, quando tudo se romper, apagar
ou ascender!
dizem que é morte!
tento crer que sim,
mas não agora,
não agora,
não assim...
sem que eu tenha
vivido
Rosa Ataide
Por inspiração de Malone Morre - Samuel Beckett
Imagem: Dominik Berneker
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