O ator, produtor, videomaker e agitador cultural Artur Gomes acumula uma bagagem de 50 anos de carreira com prêmios nacionais e internacionais em teatro, música, literatura e artes gráficas. Gomes poderia se filiar na tradição literária dos chamados poetas malditos, como comumente e simplistamente nos referimos àqueles autores que constroem uma obra “rebelde” em face do que é aceito pela sociedade, vista como meio alienante que aprisiona os indivíduos em normas e regras. Tais autores rejeitam explicitamente regras e cânones. Rejeição que manifesta-se também, com a recusa em pertencer a qualquer ideologia instituída. A desobediência, enquanto conceito moral exemplificado no mito de Antígona é uma das características de tais sensibilidades poéticas, que no Brasil já vem de longe com um Gregório de Mattos e ganhou impulso e seguidores com o famoso trio da “parafernália” rebelde: Verlaine, Baudelaire e Rimbaud.
Já tivemos oportunidade de observar em outras obras do autor, que suas construções poéticas seguem sempre renovadas para cima em matéria de criatividade, elencando uma variada diversidade temática que aborda, sempre em perspectiva ousada e radical, desde o doce e suave sentido do amor, ao cruel da relação amorosa, flertando com o libidinoso, e questões existenciais que expressam indignação, desobediência e transgressão.
É que, explica ele: “arde em mim / um rio / de palavras / corpo lavas erupção / mar de fogo / vulcão”. Outra faceta do autor, digna de nota, é a criação de vários heterônimos como sejam Federico Baudelaire, EuGênio Mallarmè ou Gigi Mocidade, talvez a mais irreverente de todos, porque fala a bandeiras despregadas, sem papas na língua. “Muitas vezes a língua pulsa pula para o outro lado do muro outras vezes a língua pira punk nesses tempos obscuros às vezes a língua Dada vai rolando dados nesse jogo duro muitas vezes a língua dark jorra luz nas trevas desse templo escuro”.
E aqui temos afinal, mais uma obra desse múltiplo e incansável poeta que caminha com uma flor na boca, símbolo universal de amor, de paz e beleza. A ele não importa verdadeiramente por quais meios: “se sou torto não importa / em cada porta risco um ponto / pra revelar os meus destroços / no alfabeto do desterro / a carnadura dos meus ossos”.
É poética que, para além de perquirir as dores e delícias da condição humana em si, envereda pelo viés de nossa condição social sempre ultrajada. Encontramos um poema que nos pergunta: “quem se alimenta / dessa dor / desse horror / desse holocausto // desse país em ruínas / da exploração dessas minas / defloração desse cabaço // quem avaliza o des(governo / simboliza esse fracasso?”
Artur Gomes segue sua árdua caminhada, agora com o poderoso concurso da maturidade que lhe chega. Segue emprestando sua voz aos deserdados, aos desnutridos, aos que têm sede, aos que têm fome, ou aos que morrem assassinados nos guetos, nos campos, nas cidades por balas de fuzil, desse país que tarda em referendar a cidadania.
Krishnamurti Góes dos Anjos - Escritor e crítico literário.
Leia mais no blog www.fulinaimatupiniquim.blogspot.com
Poucos poetas contemporâneos expressam tão
bem as principais bandeiras do Modernismo de 22 quanto esse vate pós-moderno.
Sua poesia é política, antropofágica, nonsense, musical, polifônica e sobretudo
intertextual, além de dotada de uma brasilidade corrosiva, avessa ao
nacionalismo acrítico que se tem espraiado pela ex-terra de “Santa cruz”.
Neste livro estão todas essas marcas do poeta
às quais acrescento o caráter memorialístico. Nele, Artur não apenas rememora
antigos poemas por meio de alusões, paráfrases e paródias como traz para seus
versos passagens assumidamente biográficas, se apropriando, em alguns momentos,
do gênero diário.
Estão contidos nessas memórias seus vários
heterônimos: Gigi Mocidade, Federico Baudelaire, EuGênio Mallarmè, Federika
Bezerra, Federika Lispector. Diferente do que ocorre com o poeta português
Fernando Pessoa, a heteronímia em Artur não se manifesta menos na autoria do
que no tecido ficcional. Suas diferentes personas emergem dos poemas para a
realidade das redes sociais, interagem entre si, com o poeta e os leitores.
É Gigi Mocidade, por exemplo, que carrega a
bandeira do espírito subversivo com seu grito “Irreverência ou morte”, já
nas primeiras páginas do livro, e a epígrafe de Federico Baudelaire “escrevo
para não morrer antes da morte” anuncia a intenção memorialística.
Sócrates, no seu diálogo com Fedro na obra de Platão, argumenta que a escrita
seria a morte da memória, mas o que seria de todo o repertório literário não
fosse essa invenção humana? Quais mentes suportariam tantos signos produtores
de imagens cujos sentidos transcendem às vezes a razão? A escrita não se tornou
a morte da memória, mas impossibilitou a morte dos poetas eternizados nas
páginas dos livros e memórias dos leitores.
poema 10
meus caninos
já foram místicos
simbolistas
sócio políticos
sensuais eróticos
mordendo alguma
história
agora estão famintos
cravados na memória
Nesses oito versos, o autor nos apresenta
metalinguisticamente seu percurso poético até este livro que não é uma obra
dedicada ao passado. O presente político do Brasil (des) norteia o poeta que
não deixa de atacar com sua lira de peçonha os problemas que nunca deixaram de
afligir estas paragens desde o suposto grito de Cabral.
poema
12
tem algo de errado
nessas estatísticas
de mortes
dessa pandemia
multipliquem
60.000 X 10
e ainda não vai ser
exato
o número de cadáveres
empilhados nos campos
de concentração
que dá um nome
ao país
que ainda nem era uma
nação
A
verve surrealista do poeta se manifesta principalmente nos poemas narrativos
protagonizados por personagens intertextuais como “macabea” (alusão evidente à
conhecida protagonista de A hora da estrela de Clarice
Lispector) e alter egos – lady gumes – parodísticos do próprio autor.
Em FULINAIMAGEM 14 o tom de diário se instaura com inscrição de data do acontecimento rememorado e transborda na escrita de si em que se revela o papel que a poesia e o teatro desempenham na escritura de seu trajeto como autor: “a minha relação poesia teatro poesia é visceral vital para o que escrevo como quem encena a necessidade do corpo como expressão”.
Artur Gomes, este
homem com a flor na boca, anda a espalhar o veneno agridoce de sua poesia, numa
obra em que não há fronteiras entre o artista, o cidadão, o personagem, o eu
poético, a obra. Seu livro não é um objeto, mas um produto interno e nada
bruto. A obra é sempre muito maior que o livro, pois este, matéria assim como o
homem, finda. A obra, esse totem que se pode cultuar no altar da memória, está
sempre presente. E é disso que o poeta fala: do tempo presente, do homem
presente, da vida presente. Parafraseando Drummond, com O Homem Com
A Flor Na Boca, “não nos afastemos, não nos afastemos
muito”, vamos de mãos dadas com a poesia de Artur.
Adriano Carlos Moura
Professor de Literatura – IFFluminense, Campos dos
Goytacazes-RJ – Poeta, Ator, Dramaturgo
Os Tortes Tecem Considerações
O ator, produtor, videomaker e agitador cultural Artur Gomes acumula uma bagagem de 50 anos de carreira com prêmios nacionais e internacionais em teatro, música, literatura e artes gráficas. Gomes poderia se filiar na tradição literária dos chamados poetas malditos, como comumente e simplistamente nos referimos àqueles autores que constroem uma obra “rebelde” em face do que é aceito pela sociedade, vista como meio alienante que aprisiona os indivíduos em normas e regras. Tais autores rejeitam explicitamente regras e cânones. Rejeição que se manifesta-se também, com a recusa em pertencer a qualquer ideologia instituída. A desobediência, enquanto conceito moral exemplificado no mito de Antígona é uma das características de tais sensibilidades poéticas, que no Brasil já vem de longe com um Gregório de Mattos e ganhou impulso e seguidores com o famoso trio da “parafernália” rebelde: Verlaine, Baudelaire e Rimbaud.
Já tivemos oportunidade de observar em outras obras do autor, que suas construções poéticas seguem sempre renovadas para cima em matéria de criatividade, elencando uma variada diversidade temática que aborda, sempre em perspectiva ousada e radical, desde o doce e suave sentido do amor, ao cruel da relação amorosa, flertando com o libidinoso, e questões existenciais que expressam indignação, desobediência e transgressão. É que, explica ele: “arde em mim / um rio / de palavras / corpo lavas erupção / mar de fogo / vulcão”. Outra faceta do autor, digna de nota, é a criação de vários heterônimos como sejam Federico Baudelaire, EuGênio Mallarmè ou Gigi Mocidade, talvez a mais irreverente de todos, porque fala a bandeiras despregadas, sem papas na língua. “Muitas vezes a língua pulsa pula para o outro lado do muro outras vezes a língua pira punk nesses tempos obscuros às vezes a língua Dada vai rolando dados nesse jogo duro muitas vezes a língua dark jorra luz nas trevas desse templo escuro”.
E aqui temos afinal, mais uma obra desse múltiplo e incansável poeta que caminha com uma flor na boca, símbolo universal de amor, de paz e beleza. A ele não importa verdadeiramente por quais meios: “se sou torto não importa / em cada porta risco um ponto / pra revelar os meus destroços / no alfabeto do desterro / a carnadura dos meus ossos”. É poética que, para além de perquirir as dores e delícias da condição humana em si, envereda pelo viés de nossa condição social sempre ultrajada. Encontramos um poema que nos pergunta: “quem se alimenta / dessa dor / desse horror / desse holocausto // desse país em ruínas / da exploração dessas minas / defloração desse cabaço // quem avaliza o des(governo / simboliza esse fracasso?” Artur Gomes segue sua árdua caminhada, agora com o poderoso concurso da maturidade que lhe chega. Segue emprestando sua voz aos deserdados, aos desnutridos, aos que têm sede, aos que têm fome, ou aos que morrem assassinados nos guetos, nos campos, nas cidades por balas de fuzil, desse país que tarda em referendar a cidadania.
Krishnamurti Góes dos Anjos - Escritor e crítico literário.
e ela vai pintando
o homem com a flor na boca
com seus pincéis de aquarela
poema que só é possível
pelas lentes dos olhos dela
as formigas trepam devagarinho
como carregassem folhas gigantes
A Rosa Vermelha do Povo
para Drummond, Darcy Ribeiro, Brizola e Oscar Niemayer in Memória
a rosa de Hiroshima ainda fala
a rosa de Hiroshima ainda cala
Frida e seus cabelos de aço
Picasso pintou Guernica
e quando os generais de Franco
lhe perguntaram:
- foi você quem fez isso:?
ele prontamente respondeu
- não, foram vocês que fizeram.
Cartola um dia me disse
que as rosas não falam
simplesmente as rosas exalam
o perfume que roubam de ti
Agora trago a Rosa Vermelha do Povo
para clarear esse Templo escuro
quem poderá viver nesse presente?
quem poderá prever nosso futuro?
nem Zeus nem o diabo que os carregue
eu quero um reggae um arte lata
a vida é muito cara nada barata
eu sou Drummundo Curumin - no fundo
Tupã Rebelde não pede arrego
poesia é pra tirar o teu conforto
poesia é pra bagunçar o teu sossego
educação gramatical
ela tem um travessão
atravessado
na frente da palavra quero
me diz: espera
não por falta de desejo
tenho medo de dois pontos:
os seus olhos os seus beijos
pra onde você quer me levar
de tudo que a exclamação possa engendrar
respondo:
coloco vírgulas ponto e vírgulas
reticências qualquer outro sinal
abro parênteses
(os meus poemas nunca vão ter ponto final)
Bolero Blue
beber desse conhac em minha boca
para matar a febre nas entranhas
entre dentes - indecente é a forma
que te como bebo ou calo
e se não falo quando quero
na balada ou no bolero
não é por falta de desejo
é que a fome desse beijo
furta qualquer palavra presa
como caça indefesa
dentro da carne que não sai
Teatro do Absurdo
o quarteto da hipotenusa
versus o quadrado do quarteto
da hipotenusa a musa no quadrado
do retrato fosse apenas fotografia
mas não sendo hipotenusa
somente musa algaravia
uma palavra mais que estrada
sendo musa multivia
me levou nessa jornada
para fora da bahia
todos os santos mar aberto
no abismo a fantasia
de querer musa entretanto
muito mais que poesia
A flor dos meus delírios
tem cheiro de poesia
relâmpagos de Iansã
incêndio no meio dia
Netuno em polvorosa
me disse em verso e prosa
que ela vem com o frescor da maresia
e eu serei o seu Ogum
anjo da guarda e companhia
hoje mesmo distante
essa preamar me incendeia
ondas espumas explodem na areia
tempestades trovoadas ventania
e nem sei se estando perto
calmaria
tirar leite das pedras
plantar flores no deserto
talvez seja esta a minha sina
colher a lírica
na argamassa do concreto
metáfora
meta dentro
meta fora
que a meta desse trem agora
é seta nesse tempo duro
meta palavra reta
para abrir qualquer trincheira
na carne seca do futuro
meta dentro dessa meta
a chama da lamparina
com facho de fogo na retina
pra clarear o fosso escuro
6 outubro - 2022
a mulher dos sonhos
voltou ontem
sedenta faminta insaciável
esgotou-me
à última gota
mesmo vazio
me senti um tanto cheio
nem foi delírio loucura
porque vi no meu e-mail
o nome da criatura
Em 1995 no Centro Cultural Maria Antônia, na USP, em cia da minha querida amiga Silvia Passareli, assisti uma encenação de Cacá de Carvalho, com texto de Pirandello que me pegou da medula ao osso. A plateia era de 40 pessoas apenas e Cacá circulava entre nós com a sua energia pulsante magnética. O texto era um fragmento de uma trilogia que ele deu o nome de O Homem Com A Flor Na Boca. E a ele, Cacá de Carvalho, dedicamos este livro.
chamaram-me atrevido
o fonema entrou pelos ouvidos
como um raio de Iansã
Eva nem percebeu
a serpente no espelho
a mordida na Maçã
Mas a gente lança
tenta –
em arte tudo se inventa
Eu tenho flores
com a língua atravessada em cada canto da boca
Dê Líricas
bebo teus olhos atlânticos
e tua voz portuguesa
como quem bebe no Tejo
saudades de Lisboa
caminho com os teus passos
em direção ao poema do desassossego
Florbela Espanca Alberto Caieiro Fernando Pessoa
ressignificar eis o verbo
no poema do absinto
o sentido mais concreto
ou mesmo o abstrato
na argamassa do absurdo
Baudeléricas Bordelíricas
o poema um beijo em tua boca bruna tem um B entranhado entre as coxas a pele das amoras gemem quando venta forte em tuas fendas do hoje comi duas nessa manhã incendiária quando vim da cacomanga trouxe nos bolsos da calça remendada linha carretel cola de trigo cerol bambu papel de pipa pique bandeira pique esconde jabuti preá da índia pés de abóboras replantáveis o pé de abacate ainda não nasceu isadora chegou ontem 30 de março numa tarde outono à sol aberto noite gelada frio na medula maya ainda escreve sobre depressão no tempo folks may abriu as asas pra malásia e a outra mora do outro lado em outra terra rio grande muito longe tenho sede
assim como katchup guanabara guaxindiba
guarapari lembra-me índio capixaba
goiaba carne vermelha
o corpo nu diante do espelho
página do livro onde grafitei
o couro cru & carne viva
alga marinha nascida em mar de angra
a flor da pele ainda sangra
como último beijo mordido na boca
sem sinal de despedida
com os dentes cravados na memória
tontas vezes me re-par-to mul-ti-pli-co em 7 alegria dos noves fora nada tudo é baudelérico federico me dizia leonardo fez 80 afonso 84 na rede somos 3 quando ele vem já somos 4 em temporais escrevo e sangro como boi antes da morte muitos outros já se foram e nem gozaram em 69 se eu me lembrar 64 não posso esquecer 68 era uma noite de maio peguei o trem pra são cristóvão depois avião para brasília quando voltei no espelho dédala já estava dentro da tipografia
Ofício de Poeta
franzir a noite
é o mesmo que bordar o dia
costuro o tempo
com linha de pescar moinhos de vento
entre o franzido e o bordado
escrevo um desenredo
e vou foto.grafando
filmando poesia
na solidão dos meus brinquedos
costuro arco-íris
com linhas de bordar
teus olhos d´água
pego na enxada diariamente
para capinar o quintal
da estação três cinco três
literalmente
não é metáfora
para lamber cio da terra
como na canção que Chico fez
IV
a poesia as vezes me vem da fala
outras de vozes absurdas
na travessia cantei pontos de Jongo
Folias de Reis Festas Juninas
Folguedos de São João
despachos de Macumba
para me defender do capataz
pulei fogueira em brasa
comi o milho assado
nos tempos do nunca mais
nunca vivi porto seguro
na minha praia não tem cais
escrevo como falo aprendi com os ancestrais
com uma câmera nas mãos
um poema na cabeça
vamos filmar o poema
antes que desapareça
A mulher dos sonhos
ela ainda guarda na boca este poema entre os dentes a língua saliva sílaba por sílaba as palavras que invento ela fala em meus versos ao sabor do vento enquanto freud não explica o que ainda não fizemos ela mastiga meus biscoitos finos e vê nos búzios minhas mãos de fogo quando tem no livro este incenso aceso as entre minhas em entre linhas salta das metáforas por entre portas e janelas para o quintal do agora
Mário Faustino traçou o seu destino
FederikaLispector
havia ali
o voo
em que Faustino
se dissolveu
no ar
tornou-se
fausto
anjo
aéreo
Herbert Valente de Oliveira
Irreverência ou Morte!
Gigi Mocidade
escrevo para não morrer antes da morte
Federico Baudelaire
o poema é um lance de dados
mas não fugirá ao acaso
Stéphane Mallarmé
linguagem toda viagem
imagens sempre me levam a viagens impensadas fotografias me levam a grafias outras imagens recriadas escrevo não como Manuel Bandeira para não morrer mas como Federico Baudelaire para não morrer antes da morte. ontem o sonho me trouxe ela de volta leve como espuma quando beija a pele da areia. muitas vezes imagens me levam a viajar - como deve ser escrever para não enlouquecer ¿ muitas vezes algas que ela traz no mar da boca desce abaixo do umbigo e se encaixa entre as coxas encharca a língua de saliva e me lembra algum despacho Olga Savary quando me diz que mar é o nome do seu macho
poema
o poema pode ser um beijo em tua boca a orelha de Van Gog bandeirinhas de Volpi os rabiscos de Miró o assassinato de Lorca o poema pode ser o que vai o que não fica Lupicínio na Mangueira Noel Rosa na Portela uma jangada de velas um parangolé do Oiticica o poema pode ser os meus músculos de ossos a minha pele de sangue a morte ancestral em cada mangue e os negros nervos de aço estraçalhados em Martinica o bombardeio de Guernica o cubismo de Picasso
o
Delírio é a Lira do Poeta
se o Poeta não Delira
sua Lira não Profeta
ando tendo sonhos antropológicos que mais parecem pesadelos e a desgraça é tanta que dói até nos cotovelos
poesia
à flor da barra
amor à primeira vista
meu livro vermelho de sangue
Ouro Preto na contra capa
a musa morta no mangue
rosa vermelha no altar
desejo paixão fogo brasa
incêndio na minha casa
para nunca mais se apagar
poema 1
o que você faria
se soubesse que és musa
de dois poetas tortos ?
um visivelmente você sabe
o outro se oculta
por trás da lua nova
quando deita rede na varanda
com sua luz de zinco prata
o que você faria
se hoje eu te dissesse
que o tempo tarda mas não finda
e que a lua só é nova
porque se preservou dentro da mata
curuminha ainda ?
poema 2
esse poema mora dentro de ti
entre pele pelos músculos nervos ossos
quase pronto mas sempre inacabado
não importa o caminho ou se Cronos
o disperse em curvas de distâncias
ou que o carinho não baste
quando é sede e fome o que se tem no corpo
não sei por quantas vezes
nem sei por quantos anos
um pássaro leva para se abrigar no ninho
ou para fazer de um fio elétrico
o seu lugar de pouso
quando quase tudo no poema ainda está por vir
só sei que pode sol e chuva atrapalhar o canto
mas será sempre no teu colo que ele
um dia irá dormir
poema 3
o homem com a flor na boca
faz dos seus versos
poesia um tanto prosa
tem na pele o couro cru
e um parangolé
pendurado no pescoço
onde pensamos nervos
no seu corpo - ali é osso
tua língua atravessa
o pontal das coxas
quando o leito do seu rio
transborda um oceano
carrega espinhos na carne
como fossem pétalas de rosa
com os dentes rasga da musa
- todo pano - e ali mesmo goza
A folha de papel em branco sobrevoa a transparência diante do espelho onde me espreitam dois grandes olhos feito jabuticabas de um pomar que inda procuro a palavra escrita ainda não dita de um desejo impuro e a folha branca de papel pousa em tuas mãos como um pássaro não nascido ainda vindo do futuro
se sou torto não importa
em cada porta risco um ponto
pra revelar os meus destroços
no alfabeto do desterro
a carnadura dos meus ossos
hoje
o maior desafio
permanecer Nu cio
ando em alpha
quase beta
meu destino ser poeta
poema 4
meus olhos atravessam
as lentes - o peixe
e caminham em direção a luz
que está do outro lado
o infinito
que me espera com seus
olhos d´água
ela virá com sua boca
de batom marrom vermelho
e eu espero
com minhas 7 línguas
atrás da porta
com o mel e o veneno
a pimenta e o azeite
vamos devorar o peixe
no caldeirão incandescente
em nossas línguas
só flechas - o fogo
a águardente –
poema 10
meus caninos
já foram místicos
simbolistas
sócio políticos
sensuais eróticos
mordendo alguma história
agora estão famintos
cravados na memória
poema 11
escorre - nus
teus seios
espuma que jorrei
em tua boca
ainda existe algo
entre as coxas
e as costas
algas - água
o sal da língua
que lambeu a tua ostra
poema 12
tem algo de errado
nessas estatísticas de mortes
dessa pandemia
multipliquem 60.000 X 10
e ainda não vai ser exato
o número de cadáveres
empilhados nos campos de concentração
que dá um nome ao país
que ainda nem era uma nação
poema 13
arranco mais uma pérola
do ventre de hilda triste
na porta da tua casa
meu poema ainda insiste
a menina que matou o tempo
o vento também comia
na lâmina do catavento
pra espantar a maresia
nas ruínas de santa teresa
era domingo de poesia
bateu uma pedra no rock
e nos levou na ventania
poema 16
respiro-te enquanto escrevo
teu cheiro trazido pelo vento
vem da carne de manga
que mastiguei cinco minutos
tens o poder de me deixar em alfa
e me levar aos píncaros
nesse estado êxtase
quando estou em transe
quando alfa é beta
e o luar da tarde são teus olhos raios
quando os meus acerta
poema 17
fiz um trato com a ironia
o sarcasmo a poesia
o bom humor a picardia
para enfrentar essa tragédia
tenho de sobra a alegria
e o que não falta em mim é cobra
visceral antropofagia
tenho de sobra em minha obra
profanação sagrada orgia
nos meus delírios baudeléricos
ou mesmo fossem baudelíricos
sonho teu corpo flor de cactos
como se fossem flor de lírios
toco teus pelos flor do mangue
pulsando sangue em teus martírios
penso teu sexo flor de lótus
sagrada flor dos meus delírios
poema 19
a língua hoje passeia
pelos martírios de florbela
em tudo que ela não disse
ou mesmo exposto não revela
pelas janelas do corpo
por todas dores prazeres
no que ficou por dizeres
no silêncio quando cala
por tudo que ainda não cabe
na sensualidade da fala
tantos pratos
e talheres sobre a mesa
onde tudo cabe
desde que não seja lama
desde que não seja Vale
holocausto
quem se alimenta
dessa dor
desse horror
desse holocausto
desse país em ruínas
da exploração dessas minas
defloração desse cabaço
quem avaliza o des(governo
simboliza esse fracasso?
metafórica dialética
quantas teorias terei
para escrever o que falo?
quantos sapatos ainda apertam
os calcanhares do meu calo?
me esqueço as vezes sobre a mesa
no jantar ou no almoço
garfos facas pratos talheres
me perco sempre em incertezas
se são onças leoas leopardos tigresas
e não saber se amanhã
vão morrer quantas mulheres
nas fardas da realeza
os 270 mortos
em Brumadinho
mostram que
nesse hospício
há muita lama
no meio do caminho
fake book
o face detonou
minha família inteira
e lá se foram
os meus amores carnavais
e agora o que é que eu faço
sem as Anas sem as Eras
as Cristinas Isadoras Micaelas
Vênus Afrodites todas elas
os bem-me-quer dos meu aceiros
e dos meus canaviais
essa rede assim fascista
não comporta
os meus poemas canibais
crise
diante dessa crise tanta
não adianta
fazer o que não deve
no improviso do repente
poeta inteligente
não inventa: escreve
ando
tão tenso
nesse tempo
estático
que não consigo
escrever tudo que penso
diagnóstico urológico
segundo o urologista
o sangue na urina
transbordou da próstata
sem passar pela bexiga
direto na ureta
e se não fosse tanta dor
juro quem sabe um dia
eu seria um bom poeta
FULINAIMAGEM
mais breve que
ponteiros de relógios
o amor roeu os ossos
comeu a cartilagem
da linguagem dos negócios
minha vida de cachorro
não está pra peixe inteligente
tenho chorado
as mortes que não tive
o morto que ainda vive
tem gente que aterroriza
minha pobre paciência
tamanha a indecência
dos seus discursos de bestas
FULINAIMAGEM 3
Overdose Nu Vermelho revisitada*
na linguagem dos 80
o corpo não precisava
de puteiro prostíbulo bordel
faltasse carne
pra roçar os óvulos
a língua jorrava tinta
no papel
*Overdose Nu Vermelho – poema do livro Couro Cru & Carne Viva - 1987
FULINAIMAGEM 4
muitas vezes a língua pulsa pula para o outro lado do muro outras vezes a língua pira punk nesses tempos obscuros às vezes a língua Dada vai rolando dados nesse jogo duro muitas vezes a língua dark jorra luz nas trevas desse templo escuro
FULINAIMAGEM 5
nessa linguagem de palavras ostras
marisco em minha língua
espuma
escorre entre tuas coxas
o mel da palavra
pluma
gosma dessa baba enguia
feito fogo queima o sal
dessa água impune fosse
espada peixe
flecha ao sol no meio dia
FULINAIMAGEM 6
minha língua baudelérica
faca de dois gumes na métrica
morde o outro gumes na delírica
a minha língua só fonética
mallarmaica
brazilírica.
minha língua pós andrátrica
drummundana cibernética
afrodite na genética
mata o verme da quadrilha
bomba de nêutron energética
assassígna de brazilha
língua nova não tem dono pode estar em qualquer boca na minha na tua na dele na dela morde portas e janelas como se algum dente fosse língua nova está na casa na areia na argila nesse barro chão batido nas paredes de tijolos nos telhados de algum palácio assombradado ou mesmo fosso língua nova está no corpo está na carne está no sangue está nos ossos língua nova é quando posso catar um caranguejo pra escavar um novo poço
FULINAIMAGEM 8
a língua cospe da boca essa saliva sangue escarro do beijo que me foi roubado de outras bocas bêbadas desses dias inglórios descem cascatas de trovões anunciam tempestades o sal amargo de algum ventre exposto as sevícias da barbárie nas ruínas dos castelos entulhos dos palácios esqueletos carcomidos por longos séculos de ócio
FULINAIMAGEM 9
rasgo o véu na membrana em tua íris espinho minha língua cavalo no galope nesse pasto de quimeras era foice faca e vieste de outra Hera fosse febre fértil fumo nas artérias fosse sangue venenoso em minhas veias óxidas rios de carbono e chumbo lama mineral nos restos dos impérios que um rei tirano trouxe
FULINAIMAGEM 10
a voragem da linguagem me deixou vertigem nas costas da janela estela foi despindo as coxas me beijando os músculos com os seus dedos de moça nas entre linhas do meu terno pra que a língua ardesse como pimenta azeite no fausto fogo desse inferno
FULINAIMAGEM 11
pessoas que me comovem são aquelas que vivem ou viveram com os seus fios elétricos ligados cuspindo seus relâmpagos suas trovoadas sobre as nossas tempestades. sou fanático sim por blues samba e reggae. faço as minhas escolhas independente do meu coração partido e sigo vivo com Os Dentes Cravados na Memória para nunca jamais esquecê-las como a carne que comia - pessoas que me comovem rasgam o peito e deixam sangrar porno grafia
poética 100
desconstruir os objetivos fascistas
:
eis a questão
diária missão
de cada um de nós
poetas
quando sabemos que
linha torta
é muito mais
que um poema em linha reta
FULINAIMAGEM 12
quando zeus
me apresentou o raio
umbanda venceu demanda
conheci um cão azul
que me guarda
na varanda
o cão azul
para Rodrigo Sousa Leão
in memória
ele cantava
como um pássaro engaiolado
as 4 da madrugada
no seu apartamento
e me perguntou
se eu tinha gostado
da garganta da serpente
e se era também azul
o cachorro que estava ao meu lado
invisível para mim
naquele momento
o amor
é um barco bêbado
depois da chuva
naufragado frente ao cais
em Ubatuba
ancestral
há muito tempo não recebo cartas de ninguém mas não rezo padre nossos simplesmente para dizer amém já fui católico rezei terços ladainhas acompanhei a procissão dos afogados na tapera para soletrar a palavra ca co man ga e entender que o barro da cerâmica trago grudado na retina - meu batismo de fogo foi numa santa cecília entre víboras e serpentes mordi a hóstia do padre - sua saia preta - me levou a pânicos e pesadelos - de sonhar com juízes que hoje posso saber o que são - minha África são os olhos negros de Madame Satã - na língua tenho uma sede felina na carne essa fome ancestral pagã – de ser um homem comum filho de Ogum com Iansã
cato caco de vidro nos azuis
cato cacos de vidros nos azuis dos alumínios lâminas de fogo azulejos nesse olho d'água algas e pedras nesse tempo ostras antes das horas que o dia tarda e os tiranos engatilhem seu torpor maligno - cato caco de vidros nessa areia carma e provo o sal o sangue o sexo a saliva o cio dessas horas tontas - são tantas horas perdidas outras desencontradas na areia da praia no rabo da arraia na ponta da lua branca nas espumas nos espermas que não fizeram filhos nas pernas nas coxas no litoral dos ânus - essas horas que se perderam em ondas elétricas que se ejaculou nos ventos nas marés do zeus me livre onde netuno não aporta mais os seus navios
com os dentes
cravados na memória
em são sebastião do sacramento suas coxas em movimentos me lembravam peixes sagrados nos mares que minas não tem - mãos por teus montes claros provocavam marés - atropelos -passeios de língua entre pelos também em outras partes lábios de mel sal abissal um peixe espada - prometeus - desejos despindo teus seios teus dentes cravados nos meus e a lua por sobre a capela a luz em tua alma - donzela - afrodite - uma caça indefesa - presa - em minhas unhas de zeus
ainda que eu fosse
ainda que eu fosse peixe
ainda que fosse pedra
maré de maio não medra
maré de junho não fedra
a senhora das tempestades
vestiu meu vestido de chuva
vestiu minha blusa de vinho
nas festas das horas marcadas
a senhora das trovoadas
despiu minha roupa de sexta
despiu minhas roupas de quarta
deixou-me com saldo das festas
com gosto de encruzilhadas
Rúbia Querubim
ontem sonhei com a mulher dos sonhos não era minha mas procurei saber quem era encontrei o endereço não estava - a governanta me falou que estava em búzios - não a vi mas ouvi uma voz e me dizia: - todo escrito deve ser falado todo livro deve ser bem lido e quem fala deve ser sempre escutado - o telefone toca não atendo nem sei quem está do outro lado - deu pra ver dois olhos nos búzios na areia ainda molhada pela espuma das ondas e o vai e vem me deu um susto era ela toda de branco lenço azul nos cabelos 3 contas de vidros nas mãos quando percebi quem era acordei do outro lado da praia ela gritou meu nome – perguntei quem era – ela me disse o sobrenome – não decifrei o sonho – mas perguntei se freud explica – ela me deu um beijo na boca.
mallarmè me deu o toque
para Filipe Barbosa Buchaul Gomes
poesia é pau é pedra
palavra sem retoque
quem conhece o lance de dados
não joga com dado lance
não troca flecha por lança
nem armadura por bodoque
quem sabe que vida é fedra
não teme a hora do toque
nem quanto custa ler Roberto Piva
e ouvir Fil Buc com a sua banda de Rock
escridura
esse poema absurdo
direto no ouvido do surdo
escridura nos olhos dela
ela bem sabe o que desejo
ela bem sabe o que espero
tem canivete no sangue
tem um alfinete entre dentes
a faca que corta a navalha
sangrou as tripas no ventre
o beijo quando for que seja
de língua lambendo a carne quente
ela já foi meu grande amor
chegou na trovoada
feito ventania
foi como tempestade
morreu na calmaria
cato cacos de azuis
um poema mallarmaico
satírico freudelírico aramaico
onde voz nenhuma me alcance
um lance de dedos nos dados
uns dados de dedos no lance
onde vais cinzia farina
toda vestida de letras
como quem grafita na areia
esse seu espelho d´água
à beira mar na lua cheia
nonada no meu prato
na hora do meu almoço
nonada no meu prato
na hora do meu jantar
nesse país a fome é tanta
que comeram meu calcanhar
no lance de tantos dedos
no jogo de tantos dados
meus 5 sentidos mordem
signos
sem decifrar significados
se continuarmos
a dar queijo para os ratos
eles continuarão
a roer nossos sapatos
grafitemas e figuralidades
estou escrevendo um mini conto um grafitema umas figuralidades não é coisa de cinema a mais nua e crua realidade certa noite ela me veio não era sonho era uma noite de chuva com seus dois grandes olhos e mãos tão pequenas como quem grafita na areia um espelho d´água à beira mar na lua cheia vinha vestida de letras como o som da flauta de bambu dentro do fonema veio de longe da outra margem do rio dentro da tapera o cauim me trouxe na tigela bebi como índio na hora que vê nascer o filho beijei teus cabelos de milho e ela me perguntou quem eu era
cai o pano
nenhuma surpresa
pratos vazios sobre a mesa
nessa pedra me abstenho
nessa pedra me abstrato
não concreto o que não tenho
nem des(calço) o teu sapato
o cateto na hipotenusa
a hipotenusa no cateto
o som dessa flauta me parece
sinfonia do Hermeto
essa minha obsessão
por beleza na ternura
abstrata no concreto
vem da plasticidade
de uma nova arquitetura
o amor
esse bandido
levou-me os fios de cabelo
roubou todos meus sonhos
e transformou em pesadelos
Poema 8
o dia que não te vi
foi baudelérico
a noite que não beijei sagaranagem
quando vi e não me viu não entendi
porque o amor não foi selvagem
quando beijei e não sentiu
só mallarmélico
para escrever o que ainda
está por vir quando delírico
última ceia
do peixe vamos comer
somente espinha
na rapadura com farinha
vertigem 12
o barro do valão que os pés pisaram impregnou o sangue transpirou nos poros o limo embaixo das unhas lembra-me o lugar de onde vim aquele sertão alado como uma ilha de creta montando alazão enluarado pre-destinado a ser poeta não tracei a linha reta já nasci um anjo torto nada em mim se concreta no meu sonho – desconforto -
tudo em mim é impossível até mesmo imprevisível muito mais que inalcançável não gosto de automóvel muito menos televisão cresci dentro do mato conheci olho de cobra tigre felinni felino moleque malandro gato com dentes afiados de cão
cada um com seus desejos
e o amor em desalinho
eu tinha fome de beijos
ela tinha sede de vinhos
pandeprosa
para Divanize Carbonieri
poesia poderosa
muitas vezes pandeprosa
muitas vozes vozes muitas
muitas outras línguas claras
mesmo em noites obscuras
o abstrato se depura
em raras vozes vozes raras
ave palavra criaturas
poesia é coisa cara
roteiro para um poema épico
estou liquidi-ficando com a fome dos desejos que se foram antes
itinerário
esse poema contém vírus desejos pecados rasgados com Stella em São Conrado subindo ao Cristo Redentor do morro do Corcovado a pedra do Arpoador
poesia pecados da carne sem limites
feito lâmina a luz do sol penetra em minha carne água sol sal céu mar limão alho mel de cana azeite suor pimenta atum sardinha gema no poema inventa cama em chamas acredite receita infalível para o sexo dinamites
nesse mar de espuma voa leve pluma nos teus olhos d´água travesso desde menino pelo destino em ser felino por travessura e desatino nas entre linhas entre minhas vinhas uvas passas ao rum línguas de vinho
Po Ema
se penso resisto mesmo tenso insisto atravesso o tempo como quem partia nesse azul de sal num mar de algaravias como quem se esquece numa quinta feira grafitando ideias com um giz de cera em um mar de algas em tua pele pera na corte dos fellinis o mais felino quebra as regras da estética desde menino zomba da rima rica na poética por ironia do destino
a solidão berra entre céu e terra
pala(r)vras de fogo em cartas incendiárias queimaram horas e dias nem sei mais o que pensam as 7 medusas do monstro encontradas no manguezal
tupi or not tupi
Itapetininga pedra de sal no mar de Pirapitanga tem gente que de repente deixou de ser ou já não era¿ quem disse que amor é santo¿ nem tudo que poderia te dizer escrevo nem sei mais quem habita as costas do teu litoral e quantas algas já contei nas asas do temporal imagens em chamas vieram nas entre linhas rasgando as entre minhas esporas palavras dela
quem disse que desejo não cabe no poema?
meu objeto do desejo tem nos olhos cor de algas e algum peixe que se foi sem teatro a alma não respira perde-se a vida Serafim Ponte Grande ainda me aponta uma ponte algumas trilhas tenho uma amiga que ainda não sabe quanto é musa - nas Juras Secretas para ela muito já foi escrito e muito mais ainda tenho a escrever até rasgar as entranhas nas armadilhas do ser estou desde dezembro sem poder fazer o que gosto e isso me deixa em desgosto a vida sem tira-gosto vida de gado:
depois da engorda o matadouro céus de fogo já rompendo as madrugadas em noites claras do sertão por serTão iluminadas trago essas noites dentro das cercas e arame farpados os currais dos campos cerrados meu mato grosso de sangue vermelho fincou na cancela imagem do corpo estirado depois do tiro no peito na fazenda encharcada abandonada trago essas noite no tempo da cacomanga assustado um menino que aos 7 anos viu a morte de perto por dentro de uma garrucha do seu tio ali suicidado
hoje nem sei se escrevo
poema em linha reta
ou se embarco direto
para ilha curva de Creta
dada ista dada
ista era uma menina que me queria quântico metafísico se o amor não fosse em carne até mesmo osso com o estigma da crueldade presente em cada ato quando a pimenta do reino ardesse em vossa língua ou queimasse à flor da pele o céu da boca e a carne nua e crua exposta ao sol ao vento fosse apenas um feixe de lenha a ser levado por qualquer lenhador que ousasse invadir seu mato dentro
ista me queria dentro de um versículo bíblico mastigando a pedra até o pó a memória é uma língua suja que lambe a carne das palavras morde com seus dentes até sangrar melado dos canaviais dessa lavoura arcaica que hoje cultivo em meu quintal tem dias que a ossatura no corpo não é mais que uma carcaça segurando a capsula da pele aqui de fora esse corpo que carrega 288 estações primaveras verões outonos invernos à beira de um abismo sem luz no fim do túnel pra clarear meu modernismo
nonada
:
o homem com a flor na boca
vida toda linguagem
língua o trem da viagem
pinda o nome
na terceira margem do rio orucun
o mato grosso
me acertava
com algo
que ainda não conhecia
flecha de fogo certeira
Divanize me alertava
e o coração estremecia
os dias selvagens te ensinam
Aricy de minas
refletia
o amor no cerrado sangrava
como um beijo no asfalto
na boca de quem comia
o barco deslizava nas águas do paraguai
em direção ao futuro que não vinha
o homem com a flor na boca
atravessou o pantanal
com o seu poema pássaro
ave palavra profana
cabala que voz fazia
moro no teu mato dentro
não gosto de estar por fora
tudo que me pintar eu invento
como beijo no teu corpo agora
de suas janelas ela me olhava
como alguém que ainda não me percebia
o barco seguia seu fluxo
o sangue na veia era o que mais me ardia
ela só tinha nos olhos
animais aquáticos
os pássaros vez em quando
pousavam em suas janelas
minha língua lendo Ivo
me revelava o tempo e a ostra
campos era uma cidade
noblesse uma livraria
nas veias da mocidade
arte era o que existia
a bruxa dos cacos de cogumelos azuis
me confessou rasgando um blues
com os gumes da carnavalha
e as lâminas de um canivete
prometeu esquartejar os vermes
na próxima sexta vinte e sete
na noite consagrada ao desfile
toda cidade enfeitada
para um novo ritual
amanheceu a flor do pântano
e era domingo de carnaval
colorau o nome do vermelho
com que batizei o festival
no nine nem
língua toda viagem
linguagem que me convém
em meu estado de surto
Sartre de poesia
mama áfrica
a minha mãe já me dizia
ferramenta de barbeiro é carnavalha
a do poeta deve ser filosofia
retorno da viagem o hiato (entre parênteses) porto viejo canavarro onde o barro da carne era mais quente carnaval com fogos de artifícios um ritual em algum navio alguma nave o pantanal o mato grosso uma viagem a travessia
cada escola de samba que passava era um grito de nostalgia o pelo na pele arrepiava oswaldívia me visitava e quem disse que me alivia o corpo em transe delira e o povo de lá sucupira entre o pantanal de Corumbá e a fronteira na Bolívia meu corpo todo à deriva no mato grosso do sul no barco só tripulantes com seus turbantes azuis lábios vermelhos das tintas extraídas dos urucuns onde índios mascam contentes as suas folhas de coca e celebram seu presidente
Evo Morales nativo no fogo daquela gente num ritual transitivo me leva a muitas cervejas do outra lado a fronteira de santa cruz de lá sierra a barra do sol cana brava usina de sal minha terra onde Stella me esnobava mas bom cabrito não berra atravessei a fronteira fui dançar com Gabriela uma índia boliviana que me agarrou pelas costelas e me amarrou num trava língua como os meus tempos na tapera
não é fácil
uma linguagem fácil
complexa ou metafórica
no ritmo de uma roda gigante
que a tua língua não controla
tragédia infame
empresto minha voz aos deserdados os desnutridosos que não tem pela manhã café com pão e sobre a mesa no almoço nem mesa nem carne seca com farinha espinha de peixe na garganta é o que sobrou pra curuminha
empresto meu corpo minha voz a esses personagens os que tem sede os que tem fome ou os que morrem assassinados nos guetos nos campos nas cidades por balas de fuzil está fudido esse brasil entregue as traças e só me resta exterminar o nome o sobrenome o apelido do causador dessa desgraça
O homem com a flor na boca
cada boca tem sua língua
cada língua tem seu vício
cada vício seu desejo
metáfora de fogo quem sabe
ou flor do desejo quem dera
o desejo da língua é o beijo
vermelha flor de aquarela
a rosa quem me deu foi ela
nos olhos da flor
o que sinto
no coração absinto
o que vejo
e sem nenhum sacrifício
amar de forma indireta
sem pensar fim ou início
de alguma jura secreta
a seta no arco é a flecha
o alvo da flecha é a seta
a flor na boca é desejo
o beijo na flor é a meta
minha escrita
grita
muitas vezes
palavras soltas ao vento
invento
cana caiana
da cana
o açúcar
o melado
a rapa dura
o chuvisco da gema do ovo
e a minha língua sacana
atenta a tudo que faço
falando a língua do povo
moído como bagaço
discípulo de Rimbaud
minha tv pifou
nem tenho ido ao cinema
meu filme está na carne da palavra
esse poema é trágico
me lembra infância lá na cacomanga
televisão nunca tivemos
era rádio de pilha depois de bateria
meu pai criava porcos
para vender na primavera
e complementar o seu salário
que nem o mínimo era
carteira de trabalho nunca teve
como administrador de uma faze
com mais de 1000 alqueires de terra
com produção agropecuária
canavieira e cerâmica industrial
esse é um poema em linha reta
nem sei por quê e para que
me tornei poeta discípulo de Rimbaud
talvez só para escrever
que no Brasil mesmo depois da Abolição
Escravidão nunca terminou
Beatriz – A Morta
Oswald de Andrade Re-Visitado
como pedra me olhas
como fedra te vejo
vestida de carne nua
a língua na maçã navalha
tua alma transparente crua
o olho por detrás da porta
poema com pavio aceso
quando Oswald pariu A Morta
tinha os dentes
nos teus olhos preso
a tarde arde como gengibre na carne da boca faz tempo não pedalo pelo litoral com a língua alvoroçada na espuma das marés em guaxindiba sempre encontro motivo para os dentes lábios e dedos carne de caranguejo no meio do beijo tem uma mulher de Itaocara passeando por aqui saudades da minha amiga de Recife e da sua filha em Rio das Ostras onde vaza sob meus pés o poema inacabado agora me vens de Salvador todo desejo toda fúria incontrolável como cavalo selvagem que se desprendeu da cela
Artur Gomes - minibio
poeta.ator.produtor cultural vídeo maker
2023 – Criou o projeto Campos Veracidade para a Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima onde atualmente atua na coordenação cultural em Campos dos Goytacazes-RJ -
De 1975 a 2002 – Coordenou a Oficina de Artes Cênicas da ETFC – CEFET-Campos – IFF Instituto Federal Fluminense
Em 1993 – criou o projeto Mostra Visual de Poesia Brasileira – Mário de Andrade – 100 Anos – realizado pelo SESC-SP
Em 1995 – Criou o projeto Retalhos Imortais do SerAfim – Oswald de Andrade Nada Sabia de Mim – realizado pelo SESC-SP
De 1996 a 2016 – coordenou o Departamento de Audiovisual do Proyecto Sur Brasil – Bento Gonçalves-RS – realizando Mostras Cine.Vídeo na programação do Congressso Brasileiro de Poesia.
Em 1999 criou o FestCampos de Poesia Falada, projeto que é realizado até hoje pela Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima.
De 2014 a 2016 – Dirigiu Curso de Artes Cênicas no SESC – Campos
Em 2018 e 2019 lecionou no Curso Livre de Tetro da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima.
Em 2018 participou como convidado do I Festival Transepoéticas no Museu Naacional de Brasília-DF
2021 - Curador do 1º Festival Cine Vídeo de Poesia Falada que é realizado na página Studio Fulinaíma Produção Audiovisual no facebook
https://www.facebook.com/studiofulinaima
2022 –Integrou a Mostra Bossa Criativa – Arte de Toda Gente – realizada pela FUNARTE-Rio
Curador da Mostra Cine e Vídeo de Poesia Falada realizada pelo SESC Piracicaba –
Um Instante No meu Cérebro – 1973
Mutações Em Pré-Juízo – 1975
Além Da Mesa Posta – 1977
Jesus Cristo Cortador De Cana – 1979
Boi-Pintadinho – 1980
Carne Viva – 1984 – Antologia de Poesia Erótica – Org. Olga Savary
Suor & Cio – 1985
Couro Cru & Carne Viva – 1987
20 Poemas Com Gosto de JardiNÓpolis & Uma Canção Com Sabor de Campos – 1990
Conkretude Versus ConkrEreções – 1994
CarNavalha Gumes – 1995
BraziLírica Pereira : A Traição das Metáforas –
2000
SagaraNagens Fulinaímicas – 2015
Juras Secretas – Editora Penalux 2018
Pátria A(r)mada – Editora Desconcertos – 2019 - Prêmio Oswald de Andrade – UBE_Rio- 2020
O Poeta Enquanto Coisa – Editora Penalux - 2020
Pátria A(r)mada – 2ª Edição - 2022
Tem inéditos os livros: Hipotemusa. Da Fonte A oz : Um Rio de Palavras e Itabapoana Pedra Que Voa
(22)9815-1268 - whatsapp
@fulinaima @artur.gumes