ENTREGUERRAS
“as palavras de
amor não murcham”
Maiakóvski
em edifícios
chãos de praça
o sangue tomba
escopetas revólveres
fuzis traçantes
perfuram a madrugada
nos dedos
a apatia:
o que fazer?
frente à violência
nada a ser dito
há apenas o olhar
de quem morre
com os próprios mortos
CONSTRUÇÃO
A Lara de Lemos
a palavra é
adaga
a cortar os
pulsos
contra ela
milícias
bombas
são inúteis
canhões não
têm vez
sequer
mordaças
a palavra
não se cala
grita
ejacula goza
a palavra é
adaga
fere, mata
mas também
é espera:
seu tempo é
todo o tempo
COTIDIANO
há vísceras
em todos os
lugares
quem se
indigna
diante de
quem sangra?
RAÍZES
amanheço
seco
caule
ceifado
pelo vento
nunca fui
esteio
nem sequer
sombra
a encobrir
o mundo
ignoro a
vastidão
que me
cinge
de mim
próprio
permaneço
seiva
ENIGMA
a poesia não dorme
enquanto o verbo não sacia
a fome louca de gritar
a poesia é grito
feito em surdina
clausura
nascida das mãos
sinônimo
do silêncio
entrecortado em raízes
lenitivo,
espera, soluço:
é tudo que não se define
DESTROÇOS
inútil
viver
o que será
pó
o tempo é
madeira batida
a alimentar
cupins
TESSITURA
no bordado
de linhas
o fio
trançado
ao revés
destecer o
sentido das coisas
- um jeito
tosco de urdir o mundo
no silêncio dos nós
EM NÓS
o que há em
nós
é a espera
que não
finda
o que há em
nós
é o desejo
de ver no
outro
o que nos
falta
o que há em
nós
é a espera
do porvir
que nunca
chega
o que há em
nós
é a fome
que não
sacia
PARTILHA
a mão
estendida
abençoa o
trigo
à procura
do ponto
ágeis dedos
manipulam a
massa
do mundo
mas a vida
só faz sentido
quando se
reparte o pão
O POETA E O OPERÁRIO
A Maiakóvski
o que difere
o poeta do operário?
na maquinaria
o trabalho braçal
dá lugar à escolha
de substantivos
verbos
metáforas
se um carrega cimento
terra areia
o outro esculpe o ser
talha a essência
se um usa espaçador de piso
espátula roldana
o outro opera em silêncio
na construção do poema
ENCANTAMENTO
no balde de juçaras
o homem busca
a água de que precisa
no terreno seco
procura o vento
encontra Deus
disfarçado de sabiá
POEIRA
o hoje
amacia o ego
traz o
gosto do ontem
entre
reminiscências
da rua
Navarro
busco o
tempo
em que era
rei:
minha avó
não morreu
nem ela nem
o casarão
todos em
mim
só serão pó
quando eu
for
escombro
ou poeira
levada
BOEMIA
hoje a lua
é verso
de loucos,
de putas
e de poetas
hoje a lua
é verso
prazer
bêbado
regaço
TEORIA PÁSSARO DO
A Antonio Olinto
o pássaro
ignora
poleiros
bate asas
enquanto o
homem
cria
gaiolas
e adormece
sem piar
VOZ DO AMANHÃ
flores secas, úmido cipreste
na orquestra
desafinados acordes
gritos
quando eu morrer
silêncio:
haverá cal
sobre o poeta
*LUIZ OTÁVIO OLIANI é professor e escritor. Atual Diretor de Comunicação Social da APPERJ. Com intensa produção intelectual, publicou 25 livros, incluindo poesia, conto, crônica, teatro, literatura infantil, crítica literária e ensaios. Recebeu mais de 100 prêmios literários. Possui textos traduzidos para inglês, francês, italiano, alemão, espanhol, holandês, romeno e chinês. Em 2025, publicou "Eu me sinto um criminoso e outras crônicas", pela Ventura Editora.
contatos:
22 99815-1268 – zap -
@fulinaima @artur.gumes no instagram – fulinaima@gmail.com
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