- a Cirleudo Cabral Monteza
Manchineri -
As
cunhãs dos meus olhos
amavam
ver meu curumim
no
colo da floresta, o rei
de
um ano, bem quininim
Sorriso
ia luzente de margem
a
margem do Rio Purus
guiando
da tribo a viagem
nas
noites, noite sua luz
E bem
na calada da sombra
raio-relâmpio
de pólvora riscô
a
testa do meu bacuri rei:
a bala
da fúria furô
Foi
mboi tu’i, serpente do mal
quem
mandô abraçá seu fim.
Do
Sena Madureira ao Iaco
águas
de sangue vestidas
mais
um brasileirim vira opaco
pindorama
de vida sem vida.
Tessitura
de Carapuças
Sobre
genuína bondade?!…
Sei algumas
generosices de fachada
e
compaixão tartufa.
Já
iniquidade, domino:
cá
dentro, no invisível, intolero,
não
vou com as caras
(somente a coroa
venero:
a
majestade ignara!...).
Possuo
a indispensável petulância dos que mostram saber,
e a
mais escorregadia artimanha de escamoteamento
-
antiquíssimo artifício a me garantir privilégios é a soma
do
puxa-saquismo de alto nível com o indiscriminado bombardeamento.
Sou
o que busca – e encontra sempre! – o pelo do ovo, o chifre do cavalo,
o
teu pior defeito (que jamais te será dito na lata):
Invariavelmente
por trás (sine qua non da covardia) minha língua exata
se
afia, dá nos dentes à mesa dos poderosos, com justo regalo...
Calunio,
juro, perjuro e denuncio, depois esqueço tudo...
Não
me contenta denegrir a imagem: apodreço o conteúdo!
Trago
o cão raivoso no sorriso:
-
sou o III Ricardo, Macbeth e Iago,
com
todos os ingredientes e adaptadas brasileirices de praxe.
Sou
o embuste, a farsa, o engano,
o
insano, o dano da danação;
o
engodo, o lodo, e o lado afiado
do
cutelo em tua carne e ossos!
Eu
me aposso e bato o martelo!
Eu
sou o impune, o que desune,
o
desnaturado pomo e flor da discórdia!
A
mixórdia, o frege, o santo herege
que nada
protege ou afaga sem a adaga;
sou
a cruz e a espada, o impasse,
a
bifurcação multiplicada.
Acho
imprópria a pena de morte,
parodio João Cabral e decreto
a pena de vida:
“sorte e sina palestina”
Pior
que eu, sou quando me enfrento: não me deixo saída!
Sempre
me venço – fomento o vulcão – antes que outro bombardeiro lance mão!
(uma
vida, quase inteira, na soleira do diário day after)
- o
inferno de Dante, Graciliano e Sartre!
A
raça pura, a brancura veneradora da escravatura – IV Reich e Ku-Klux-Klan –
eu,
o macho, acho, esculacho, rebaixo
e
despacho pro além: não deixo para amanhã.
Escalpelo
xamãs e tupis. Torturo, esquartejo, taco fogo
e
espalho no brejo.
Eu
sou a homofobia de palavra e paradigma com requinte rosicler:
Armo
tua cama, te puxo o tapete (vermelho);
faço
festa, meto o bedelho, espio pela fresta,
mordo
o teu fígado e o juízo,
e a
primeira pedra atiro sem aviso;
Eu
sou o não, meu irmão – o NÃO!;
a
inveja, o ciúme, o que aleija o caráter
até
que se esfume.
Eu, o
Joaquim Silvério das confidências,
proclamo
a dependência.
Eu
crio a mentira – (inumeráveis fakes) e tu votas em todas
com
boa dose de libido reprimida
e
ira.
Bula?
Vide a mídia.
Aparentemente
nada especial, (estou aí... pelas ruas... comum feito milhões...)
amado,
odiado, bem e mal visto no mundo,
por
espelho e reverso.
Não
me confundam comigo: tenho duas caras concomitantes (por segundo).
No
final, na penúltima mandriona estrofe,
recoloco
o fingimento em dia
subterfúgio
de vacina vencida... (e, em off)
outra
deslavada demagogia!
Muito
íntimo de Kubrick, retorno em concreta magia:
faço
contemporânea a velha
odisseia
do tempo a 2001sss...
com
alaranjada mecânica
atualizada
Já
sentiste angústia, tu que ora me lês?
(gargalhada
teatral, em si
bemol.)
A
gente se vê...
a gente se vê por aí!...
COISA MANDADA
A bala perdida na porta
da casa da véia, pro menino achá!
A chama da vida, a menina
dos óio da véia, pro vento apagá!...
Quem foi que puxô esse assunto
na frente da véia? Num ouse puxá!
O menino era tudo, era o anjo
da guarda da véia – mió respeitá!
Um pente, uma bala na agulha,
é coisa mandada da banda do mal!
Num dente-de-alho, atravesse u’a agulha
escondida pra quebrá o mal
O menino era o mimo, o arrimo
da véia, o reizinho do lar!
Quem foi que falô do presunto
lá junto da véia? Num ouse falá!
A bola, pelada no meio da rua,
menino preto, menino, olha o risco de gol!
Aponta – olha o ponta caindo na sua,
menino, olha o tiro, meu fio, olha o gol!
A bala, a bola, a pelada abala
o menino, a poça na frente do gol
é rubra, é negra, é a bola, a bala, o gol...
a poça... acabou!
A vó tem sete saias e vem de otras baías, otras
freguesia
dessas e de otras
bandas do coração de aruanda pra quebrá as ingrisia.
Na escravatura, nóis era os ventre,
berço primero e destino a procriá e
desmamá antes da hora;
nóis era as teta, as ama de leite dos rebento tudo que dava na fazenda:
branco, preto ou índio... fosse o que fosse, tanto faz... da casa grande ou
da senzala,
nóis era mãe e sempre vai sê... das criançada rancada de nóis;
nóis, do destino dos próprio rebento, ficava sabeno pelos orixás!
Saravá!...
Na última saia tem
mironga, que a viage é dura e longa,
e a vó trouxe arruda, água benta e a energia das baforada
pra que os santos nos acuda a
fugentá as alma penada.
Nóis gosta de
doce, sinhá e sinhô... nóis gosta de doce... cocada branca...
e queria fazê pra nossos fio...
mais num podia; nóis nem sabia o paradeiro das criançada.
Com seu patuá, benjoim e a figa de guiné,
vovó veio de angola presa nos
ferro das argola
e se solta pra salvar seus filhos de fé!
Saravá, meu Pai Oxalá... que nóis é de paz, que nóis é de paz!...
E o que é que tem, o que importa
o neto da véia na conta geral?...
Mais um, menos um... bola sete
noves fora...
qualquer de menoridade penal...
Eu sô
u’a vó e sô muitas vós...
E
nenhuma de nós inventô nem bala, nem bomba.
Vida,
foi só o que nóis inventô!
Vó
Arruda, Benedita e Cachimba
Cambina
do Congo e Catarina
- me
dá tua sina, menina!
Catarina
D’Angola e d’Aruanda;
Cigana
e Emília,
- eu
já fui tua filha, minha filha!
Vó
Gracinda Africana, Jacira, Josefa, Joana...
Logo
avisa a Vó Luiza:
- já
foste meu filho e já foste minha bisa!
Nos
mundo onde tudo gira,
gente
já foi, é e será tudo nos reinado de tudo!
Vó
Maria Antônia, Maria Conga, Maria Preta da Bahia...
- ô,
meu fio do Santo Pai, eu já fui tua fia
na
terra das Marias e dos ais!...
Maria
Quitéria, Maria Rita, Rosa, Redonda,
Maria
Chica, Cândida e do Rosário...
- Vô
tá sempre te amaparano nas trilha dos calvário!
Raimunda,
Rita e Severina, Teresa do Congo e Zeferina,
- me
dê um doce bem doce, sá menina, te espero lá na esquina.
Anastácia,
Benta e Benedita,
Isaura,
Juliana e Zefina,
Vó
Nana, Vó Rita e Rosa de Angola,
Sabina
e Severina,
Nóis
é tudo uma e um,
Tudo
a mesma sina
no
reino de Olorum!
Saravá!
Nas terras dos barros, lamas e
lodos,
chibata
que chibata um, chibata todos,
Bala
que mata um menino
escreve
o próprio destino!
E
quem vê aquele fio do Pai, morto na vala,
sabe
se é da casa grande ou da senzala.
Saravá,
que o infinito nunca se finda, kaô Xangô,
e o
eterno nunca se acaba, dizem os babalaôs.
Na terra
dos teus e dos meus,
quem
acarinha u’a criança,
acarinha
a face de Deus!
Saravá,
meu Pai, saravá!
VASSOURA DE OUTONO
Pende frontalmente esse tronco
de mulher a varrer o outono
da calçada.
- Uma cerimônia de décadas...
Sabe-se lá quantas nervuras, outrora verdes,
já flutuaram seus corpos em coreografias,
dos ramos às fibras de seu fiel instrumento...
(diário, permanente, sacro rito doméstico.)
Duas tetas, estreladas,
choram no côncavo peito,
murchas de idos filhos
- longes filhos... -
desmamados... para onde?...
(Felizes os rebentos... seriam?
Teriam completado os estudos?... Formaram-se doutores?...
Casaram-se?...
E os netinhos... tão lindos... tão sonhados?!...)
O que poderia saber sobre ela,
eu, que somente passei meu caminho
diante da firme carícia da piaçava no cimento?
Mais adiante, a boca-de-lobo, em silêncio, agradece:
- “Água há de passar sem que eu engasgue.”
(sem que o quarteirão se entupa, se desespere de enchentes,
se afogue...)
Uma sensação (minha ou dela?)
de que, se larga a ferramenta,
espatifa-se a face ao chão.
Mas ela não larga: prossegue, sustenta,
determinada, a higiene da fachada.
(Tudo precisa ser limpo – tudo na vida!...)
Quem estaria à sua mesa no próximo domingo?
Frango, maionese, macarronada,
serena mousse de maracujá, as peras merengadas, aprendidas na TV...
- ... tantos sabores!... –
para que bocas?...
E tem mais:
haveria o próximo domingo?...
Sua mão esquerda é mais triste:
duas alianças.
- ouro funde-se em ouro
de eternas bodas de mel,
na mística, alquímica
joalheria,
de aqui e do além: um só largo anel!
- um homem é ressuscitado
diuturnamente em seu apenas
dedo
anular esquerdo!
Ah, como passam as estações
sem dar conta alguma de sua irredutível vassoura!
E como – com que dor!... –
seus olhos acusam o vento e a beleza das árvores
diante da casa!...
FUTURO DO PRETÉRITO
Poderia
ter feito isto ou aquilo - não fiz;
ter ido
para ali ou alhures – não fui;
amado esta
ou aquela – não amei.
Agora,
diante do poema, o próximo verso
é outro
impasse.
(Dia difícil
este: vinte e cinco horas
houvesse,
não bastariam para dar conta
do que não
dei.)
Hoje,
encontro-me em saudades de um tempo de qualquer coisa
ter sido,
menos isto: o acúmulo de não ser.
Abandonei-me
em alheios
colos,
lares, caminhos... na compulsão pelo agradamento.
As opiniões
penetraram-me como bisturis
- instrumentos de lobotomia -
e o meu
pensar e sentir são confusos a ponto de não perceber
o que é um
e o que é outro.
Eu, o
desconexo, sou minha cruz e espada.
Há mesmo,
de fato, o sim no lugar do não
e seu
vice-versa.
(Ambidestro
mutilado e invertido – o dos pés pelas
mãos a plantar bananeiras
- deparo-me
constante com bifurcações multiplicadas.)
Estrábico
mental, escolho a escolha d’outrem:
o que me
escolherem.
Não é raro
pôr-me a rir de mim, à farta,
distanciado,
como se eu não fora.
Um clown – trágico, diria –
mas um clown.
(Um Carlito – sem a devida
genialidade criadora
de Sir. Charles Chaplin, é
claro.)
Este meu jeito (patético) e
sotaque servem-me
de somente disfarce
para
que não percebam quem não sou.
Ontem
sonhei-me hoje,
e amanhã
sonhar-me-ei com anteontem,
antes de
meu desaparecimento,
assim,
quase inexplicável.
Ademir Martins - Nos palcos e
salas de aula ministrando cursos há 50 anos, como dramaturgo, ator, diretor,
poeta, compositor e em seus trabalhos como ator, "Óxenti... Romi Xinaidi?!" (de
Fernando Limoeiro); "Nossa Vida em Família" (de Oduvaldo Vianna
Filho); "Forrobodó" (de Vladimir Capella e José Geraldo Rocha);
"Calabar - O Elogio da Traição" (de Chico Buarque e Rui Guerra); "O Menino Marrom" (Adaptação e
Direção do conto homônimo de Ziraldo); "Arlequim, Servidor de Dois
Amos" (de Carlo Goldoni); "A Encomenda" (de Fernando Limoeiro);
"A Cantora Careca" (de Eugène Ionesco); "A Morte do Imortal" (de Lauro
Cesar Muniz); "O Despertar da
Primavera", (de Frank Wedekind); “Álibi – enfim Sós” (dramaturgo); "Woyzeck" (de Georg Büchner); "A Grande Imprecação Diante dos Muros da
Cidade" (de Tankred Dorst); "O Seu Dom" (show musical de
lançamento do CD homônimo da cantora Fernanda Fróes no Tom Brasil);
"Possibilidades" (show com a cantora Milena Lizzi,), “Macaé Conta Carukango)” (dramaturgia e
direção)...
Participou de vários workshops ministrados por mestres
contemporâneos, tais como José Ângelo Gaiarsa, Augusto Boal e Yves Lebreton. Em
seus trabalhos, ministrou aulas de "Interpretação" e "Prática de
Montagem"; foi Coordenador do Instituto de Artes e Ciências de São Paulo
(INDAC; atualmente leciona no Curso
Técnico em Artes Cênicas da Escola Municipal de Artes Maria José Guedes (EMART)
junto à Secretaria Municipal de Cultura de Macaé/RJ, foi professor e
co-fundador e diretor artístico do
Núcleo de Dança Portadores de Alegria.
· Possui diversos prêmios como dramaturgo, poeta, ator, e diretor
e coreógrafo.
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