terça-feira, 28 de julho de 2020

Leonardo Almeida Filho - EntreVistas

Encontrei Leonardo Almeida Filho, aqui mesmo, no face no face book, entre tantos outros poetas amigos. Primeiro, alguns títulos de seus livros começaram a  chamar minha atenção, como, Babelical e  Tutano, por exemplo, lançados pela Patuá em 2018 e  2020, respectivamente.  Fui lá no site da Editora conferir e me encantei, e agora estamos aqui nesse bate papo que segue, nesse espaço  EntreVistas.

Leonardo Almeida Filho (Campina Grande, 1960), professor universitário, escritor, ensaísta, reside em Brasília desde 1962. Mestre em literatura brasileira pela Universidade de Brasília (2002), publicou, em 2008, Graciliano Ramos e o mundo interior: o desvão imenso do espírito (EdUnB), O livro de Loraine (romance, 1998), logomaquia: um manefasto (híbrido, 2008); Nebulosa fauna & outras histórias perversas (e-galaxia, contos), Babelical (poemas, Editora Patuá, 2018), Nessa boca que te beija (romance, Editora Patuá, 2019) e Grande Mar Oceano (romance, Editora Gato Bravo/Portugal, 2019).

Artur Gomes - Como se processa o seu estado de poesia?

Leonardo Almeida Filho - Eu não saberia dizer o que é um “estado de poesia”, mas entendo o que a expressão propõe. Digo isso por que eu acredito que a poesia é muito mais fruto de trabalho árduo (a ourivesaria bilacqueana), de reflexão, de apuro, de técnica também, do que propriamente de um estado misterioso epifânico poético (ou seja lá o que isso signifique). Comigo as coisas funcionam de maneira até trivial. Tenho uma ideia, surge um tema, ouço um assunto qualquer na rua, no jornal, e aquilo move meu interesse. Consigo visualizar poesia naquele tema, ideia, conversa. Sobre esse big bang construo meu cosmo inteiro. Também não vou ser cabotino ao desprezar a inspiração, que, como as bruxas, há. Eu tento sempre enxergar as coisas de uma maneira que possa soar poeticamente.

Artur Gomes - Seu poema preferido? Próprio. Ou de outro poeta de sua admiração.

Leonardo Almeida Filho - Difícil escolher um poema favorito. Tenho vários, de  vários estilos e escolas literárias, mas para responder fielmente a sua pergunta, me vou com o maravilhoso “Poema em linha reta”, do Alvaro (Fernando Pessoa) de Campos. Sublime, arrebatador, contundente.

Artur Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira? 

Leonardo Almeida Filho  - Com a idade, a gente vai mudando os poetas na cabeceira. Na adolescência, Manuel Bandeira era minha companhia inseparável. Ao lado dele, Maiacovski me seguia por todos os lados. Depois vieram, Drummond e Mario, os Andrades que eu admiro demais e o jovem Leminski. Sou apaixonado pela poesia Beat e Allen Ginsberg foi meu confidente por anos e anos. Mais recentemente, Manoel de Barros e João Cabral. O mais constante em minha cabeceira foi o mineiro Carlos Drummond de Andrade. Quando eu crescer, quero ser igual a ele.

Artur Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsione para escrever?

Leonardo Almeida Filho - Como disse anteriormente, acredito que a poesia surge do trabalho e, no meu caso, ele é diário. Me comprometo a produzir diariamente. Claro que muita coisa (talvez a grande maioria das coisas) que eu escrevo, que produzo (música, pintura), não é lá de grande valia, mas sempre aproveito um naco dessa predisposição criativa. A pedra de toque para a escrita, no meu caso, é a decisão, a vontade, a necessidade de escrever.

Artur Gomes - Livro que considera definitivo em sua obra?

Leonardo Almeida Filho  - Não tenho essa pretensão. Toda obra de artista vivo é sempre inacabada. Tenho, é claro, a consciência de que o último poema, canção, quadro, é sempre o melhor de minha lavra, mas mesmo aí escorrego na avaliação, pois me lembro de coisas que fiz há muitos anos e que me são muito caras. Meu último livro, “Tutano” (Editora Patuá, 2020), reúne os meus melhores últimos poemas (como na música dos Titãs, a melhor banda da última semana). Gosto muito do resultado, gosto um pouco mais do que dos poemas do “Babelical”, mas deixo essa avaliação para o leitor de poesia, esse bicho raro, em extinção.

Artur Gomes - Além da poesia em verso  já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia?

Leonardo Almeida Filho  - Quando jovem, empolgado com a poesia concreta, me atrevi a escrever no campo estético da verbi-voco-visualidade, como os Campos e Pignatari propagavam, mas logo percebi que não tinha o talento para esse jogo da linguagem inter-semiótica. Soava falso, absolutamente bobo, aliás, como muita poesia concreta que leio por aí. Escrevi prosa poética, gênero que muito me agrada. Gosto desse hibridismo. Tento fazer um pouco de poesia plástica, quando utilizo a palavra numa aquarela, mas não consideraria seriamente esse meu trabalho, coisa que um Almandrade e Wlademir Dias Pino fazem magistralmente.

Artur Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho?

Leonardo Almeida Filho - Todo poema é uma tentativa vã de eliminar a pedra no meio do caminho. Sendo bem chão, quase rasteiro, encasquetei de escrever uma Sextina. Durante muito tempo esta foi uma pedra enorme no meu caminho, verdadeiro pedregulho. Gosto muito de formas fixas na poesia (sim, sou uma anacronia de calças) e sempre que posso exercito trabalhá-las. Acho que é uma forma de treino para qualquer poeta, malhação para o cérebro.

A sextina é uma forma antiga da tradição poética, uma verdadeira camisa de força em termos de forma. Sua rigidez em métrica, rima, estrutura, é tal que o próprio Camões escreveu apenas meia dúzia delas. Não vou aqui explicar o que é uma Sextina, mas adianto que passei muito tempo tentando escrever uma delas, coisa que fiz e publiquei no meu “Babelical”. Um alívio quando a dei por terminada.

Artur Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?

Leonardo Almeida Filho  - Como Augusto dos Anjos e Graciliano Ramos, eu sou um pessimista inveterado. Acredito que todos passaremos. O mundo, como conhecemos, não será mais o mesmo, mas a estrutura cruel que o mantém, essa, permanecerá. Os ricos, cada vez mais ricos, os pobres...

Artur Gomes - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?

Leonardo Almeida Filho - Minha tribo é a poesia contemporânea brasileira. Sou filho da geração mimeógrafo. Copiava meus poemas em máquinas Xerox e os vendia nos festivais de música pela cidade. Atualmente, não tenho tribo alguma. Sou livre para escrever sonetos, se me der na telha, e poemas livres que quebrem os telhados. Não me enquadro, ou não me vejo enquadrado, em qualquer tribo poética, mas tenho grande admiração por alguns poetas contemporâneos. Sua poesia me inspira e me desafia a escrever mais e melhor.

Artur Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?

Leonardo Almeida Filho  - É ter a consciência de seu papel de resistência, de vanguarda no enfrentamento do processo de emburrecimento empreendido pela elite que usurpou o poder nesse país. Se a poesia é coisa de uma confraria, mais do que nunca é preciso que os confrades não abandonem a luta, pois sem poesia nos tornaremos todos um bando de zumbis sobre a terra.

Artur Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?

Leonardo Almeida Filho - De onde vem a minha poesia: vem da realidade, das coisas concretas, da mancha do real no brim (como diz Bandeira), da vida presente (como quer Drummond), é daí que vem meus poemas. É a partir então das coisas que me cercam que posso pensar em voar fora da asa (como prega Manoel de Barros).


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EntreVistas

Um comentário:

  1. Parabéns por mais esta entrevista maravilhosa Artur!
    Este seu trabalho nos enriquece!

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