sábado, 25 de julho de 2020

Luh Oliveira - EntreVistas



Conheci Luh Oliveira em Bento Gonçalves-RS, cidade na serra gaúcha que de 1996 a 2016 sediou o Congresso Brasileiro de Poesia, evento cultural criado pelo poeta, jornalista e produtor cultura Ademir Antonio Bacca, que teve suas primeiras edições realizadas na cidade de Nova Prata-RS, entre1990 a 1992.  Luh por ser da terra do cacau,  nos levava sempre de brinde deliciosas Balas de Cacau, o que nos deixava de água na boca, desta a semana que antecedia a realização do evento.

Aproveito mais uma vez para lamentar a falta de sensibilidade da gestão municipal de Bento Gonçalves, que a partir de 2017 deixou de investir os recursos necessários para a realização do Congresso Brasileiro de Poesia, cuja importância para a cidade e principalmente para os Estudantes de todos os níveis era inegável, pois o forte da programação, era exatamente a Poesia Na Escola, onde todos os poetas, passavam pelas Escolas falando e conversando sobre poesia, com estudantes de todas as faixas etárias e níveis educacionais.

Luh Oliveira é baiana, mãe, poeta, professora de Língua Portuguesa, Mestra em Letras. Ocupa a cadeira de número 03 da Academia de Letras de Ilhéus. Sempre gostou de escrever versos para crianças, mas só em 2016 foi lançado seu primeiro livro infantil Poemas Embolados (Ed. Scortecci). Desde então tem trabalhado bastante nessa arte. Em 2017 lançou O sumiço da Terra, em 2018 foi a vez de Pedrinho Surfista e de Sorriso de Arrasar , em 2019 lançou Brincando com poesia). Também publicou três livros de poesia para adultos: Versos enluharados (2012), Iluhsão (2015) e Luhminosidades (2018), além de ter participação em diversas coletâneas no Brasil e em Portugal. Conheça mais o trabalho da autora nas redes sociais. @luhpoesia



 Artur Gomes - Como se processa o seu estado de poesia?

Luh Oliveira - O estado de poesia é permanente, mesmo que não se transforme em poema. Acredito que o poeta não consegue enxergar o mundo sem a ótica da poesia. O poeta é aquele que vê um pouco mais talvez.

Em relação ao fazer poético, não tenho um processo único. Geralmente parte de leituras e observações. Uma notícia, uma música, uma imagem. Gosto muito de ler destacando trechos que me chamam a atenção, tais trechos geralmente são uma metáfora. Muitas vezes um poema nasce dessas metáforas.
Eu leio muitos livros sobre poesia. Um deles, que é meu xodó é O arco e a lira, de Octavio Paz. Ele fala de poesia da maneira mais ampla que já vi. Vou mostrar um trecho da minha dissertação de mestrado no qual eu o cito.
 “A experiência poética não é outra coisa senão revelação da condição humana, isto é, do permanente transcender-se” (PAZ, 2012, p. 197). Ou seja, ler poesia é ler a si próprio, é conhecer-se pois “poesia leva o homem para fora de si e, simultaneamente, o faz regressar ao seu original: volta-o para si. O homem é a sua imagem: ele mesmo e aquele outro[...] A poesia é entrar no ser” (PAZ, 2012, p. 119).”

Artur Gomes  - Seu poema preferido?

Luh Oliveira - São muitos. Mas há aqueles que mexem comigo sempre que os leio. Amar, de Florbela Espanca, é um deles.  Tabacaria, de Fernando Pessoa, também.
Há um poema que eu amava quando era criança, lá pelos seis anos de idade. Lembro até da página do livro didático e da ilustração. Sei de cor até hoje. Não sabia quem era o autor, pesquisei na internet para saber. Segue:

Passarinho, passarinho
que vives no meu pomar,
vem amanhã bem cedinho,
vem amanhã me acordar!
Não te esqueças, passarinho,
de cantar com todo ardor,
pra despertar o amiguinho
que por ti tem muito amor.
Mas, escuta, passarinho,
se eu não quiser acordar,
bica, bica meu pezinho,
pra poder me levantar. (Oliveira Martins)

Artur Gomes  - Qual o seu poeta de cabeceira?

Luh Oliveira  - Fernando Pessoa
Florbela Espanca

Artur Gomes  - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsione para escrever?

Luh Oliveira - A leitura. Seja prosa ou poesia, sempre me inspiram a escrever.

Artur Gomes  - Livro que considera definitivo em sua obra?

Luh Oliveira  - Pedrinho Surfista. Foi o terceiro livro infantil que escrevi. Todos os livros infantis que publiquei já possuíam textos há muito tempo, foram poemas que escrevi quando minhas filhas ainda eram pequeninas (hoje estão com 19 e 22 anos)e que se tornaram livros. O Pedrinho Surfista eu projetei. Queria um livro infantil escrito em versos que tivesse um personagem ilheense e que mostrasse um esporte voltado para a natureza. Assim nasceu Pedrinho... Depois desse livro eu acredito que cresci mais enquanto escritora. Desde lá só penso em escrever para crianças. Já estou escrevendo para adolescentes também, mais um desafio que propus a mim.

Artur Gomes  - Além da poesia em verso, já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia¿
Luh Oliveira Sim, videopoesia. Inclusive a videopoesia faz parte de um projeto que desenvolvo todo ano com meus alunos. Até na minha dissertação de mestrado havia videopoesia. Poesia está em tudo que faço.

Artur Gomes  - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho?

Luh Oliveira - Muitos poemas foram escritos com uma pedra no caminho, com uma pedra na garganta... Vou deixar aqui dois deles.

Dor

Dor que lateja
em lascas de sangue
jorrando da face
que o espelho reflete
Navalha afiada
transfigura o rosto
que não reconheço
Antigo álbum
de fotografias
detalhes que nunca
existiram
um sinal, uma ruga
um olhar
que já se foi
Preso no reflexo
côncavo e convexo
não sou eu
Mas a dor é minha...

Desesperança

Atravesso a madrugada
mergulhada em cicatrizes
marcas deixadas
em minha pele
rasgos ocultos
em minh’alma
Fito a sombra
que perambula
no piso frio
de um ser que morre
Flashes da memória
clareiam o breu da noite
trazem de volta
dores escondidas
Véu jogado aos ventos
vulcão de imagens
amargas sensações
Lágrimas revolvem
no âmago deste espectro
de vida
O sol custa a nascer
infinitamente noite
Ao redor tudo silencia
dentro de mim
grito escapado
A luz do dia
adentra pela janela
Talvez ainda haja
vida por trás da dor...

Artur Gomes  - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho¿

Luh Oliveira  - A arte sempre passarinho.

Artur Gomes  - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?

Luh Oliveira - Venho de leituras e curiosidades. Minha extrema timidez enquanto adolescente me levou a um livro de poesia que estava na estante da biblioteca da escola ao lado da mesa sobre a qual eu pesquisava algo na enciclopédia Barsa. O livro chamava-se Poesia enquanto é tempo. Não lembro quem era o autor ou autora. Aquele livro foi o convite à escrita. Eu tinha 13 anos. Adolescente introspectiva, tímida, mal falava em público, meu mundo era ler, ler e ler. Depois desse livro eu passei a escrever versos no meu diário. Sempre mantive o hábito de escrever diários: anotações, colagem de revistas, poemas diversos, etc. Mas nunca havia escrito eu mesma um verso. A partir de então meus versos passaram a ser literalmente diários.

Depois do livro achado na biblioteca, eu descobri a estante de livros de poesia. Os clássicos. Embora muitas vezes precisasse de dicionário para compreender, eu achava aquilo tudo fascinante. Até encontrar Florbela Espanca e me encontrar em seus versos. Depois vieram Fernando Pessoa, Paulo Leminski, Cecilia Meireles, Hilda Hilst, entre tantos.
Hoje busco ler os poetas atuais, os da minha cidade e região, do meu estado, do meu país. Principalmente as poetas mulheres, que ainda necessitam de espaço. Posso citar algumas escritoras que são fascinantes, prosa ou poesia: Maria Valeria Resende, Lia Sena, Rita Santana, Clarissa Macedo, Elisa Lucinda, Chris Hermann, Claudia Gonçalves, Valeria Tarelho, Andrea Mota, Marisa Vieira, Martha Galrão, Iolanda Costa,...

Artur Gomes  - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?

Luh Oliveira  - É estar engajado no mundo. Muitas vezes entende-se que poesia é puro lirismo, mas não só. Poesia é realidade nua e crua, é denúncia, é política, é economia, é meio ambiente, é desabafo, é grito, é luta.

Artur Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?

Luh Oliveira  Como está o fazer poético em tempos de pandemia?

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