quinta-feira, 30 de abril de 2020

Federico Baudelaire - EntreVistas

Diego interpretando Federico Baudelaire 
em LeminskiAndo Em Cena


 As vezes penso que muito o conheço, outras vezes sei Nonada. Desde que nos encontramos pela primeira vez lá pelos idos de 1974 num terreiro de Xangô, que as idas e vindas e nossos encontros tem sido pra lá de inusitados. Depois de enfrentarmos juntos trovoadas e tempestades pelos mares de Atafona e Guaxindiba, nos perdemos de vista e fomos nos encontrar novamente em 1987 em Batatais-SP. Depois mais um grande intervalo de 3 anos e por acaso em 1990 nos re-encontramos em Ouro Preto-MG.

Com a criação da Mocidade Independente de Padre Olivácio - A Escola de Samba Oculta No In-consciente Coletivo, Federico Baudelaire foi alçado ao cargo de Mestre/Sala e por longos 10 anos nosso encontros foram permanentes, nos ensaios, desfiles e assembleias. Mas aí veio o seu desentendimento quase arranca rabo com Pastor de Andrade, por conta da não re-eleição de Gigi Mocidade para Rainha da Bateria da MIPO, rasgaram a ata da assembleia, e o impasse permanece até hoje.

Welton Martini interpretando 
Federico Baudelaire em A Nossa Casa É Um Teatro

Em 2005 outra vez  por esses descuidos do acaso do destino nos re-encontramos em Curitiba, antes em 1994 já havíamos estados juntos no desfile da Unidos do Botão, a convite do Hélio Letes, que agora é Leites. Por mais um tempo perdidos das entre vistas, voltamos a nos ver em 2015, num encontro dos acasos ou conspiração do cosmo em PortoViejo, na Bolívia.

Estava eu, em Corumbá, Mato Grosso do Sul, compondo a  Comissão Julgadora dos desfiles das Escolas de Samba e na segunda feira de carnaval resolvemos pegar uma van e atravessar a fronteira para dar uma espiada no carnaval da Bolívia, e eis lá se deu o encontro sagrado  para a criação da Igreja Universal do Reino de Zeus.

Artur Gomes - consta no face que você nasceu em Itabira, confere¿

Federico Baudelaire - na verdade Itabira é um acidente de percurso. Eu nasci mesmo em Araraquara, meu pai (que prefiro não citar o nome para não entregar), estava separado da minha mãe, que eu nem conheci. Do seu outro casamento havia um meio irmão pedante e ciumento. Aos 7 anos fui adotado por Drummond, que me levou para o Rio de Janeiro. Como não me acostumei a ficar trancado os dias inteiros dentro de livros na Biblioteca Nacional, então ele resolveu me levar pra Itabira, onde fiquei até os meus 15 anos, na casa de minha mãe de criação.

Artur Gomes - Como você foi parar em Campos nos anos 70?

Federico Baudelaire - Bem, com 15 anos coloquei mochila nas costas e peguei estrada. Era comum na época, viajar de carona e acampar próximo a sítios, montanhas, cachoeiras. Eu estava aprendendo a tocar violão, e de repente quando dei por mim estava em Itaperuna no Estado do Rio de Janeiro, e lá conheci Vitor Meireles (o pardal), que estava querendo formar uma banda, mesmo sem ter muita prática de violão ainda, foi a minha primeira incursão com música. Depois de algumas apresentações nos bares e nos clubes de Itaperuna, Vitor resolveu ir tentar a sorte em Campos, e me carregou na bagagem.

Artur Gomes - Quando você começou a frequentar terreiros de umbanda?

Federico Baudelaire - Foi por influência do Pardal, toda a família dele tinha uma ligação com a mediunidade, mas em Itaperuna eu nunca tinha ido a nenhum centro. Em Campos foi a primeira vez, naquela noite de 1974 quando nos conhecemos.

Artur Gomes - Por quanto tempo você ficou morando em Campos?

Federico Baudelaire - Durante os anos que existiu a Turma do Campo, acho que uns 4 anos depois, até 1979 mais ou menos. Ainda me lembro dos Festivais de Música até 1980 em Miracema. Depois caí na estrada novamente. Quis ir pra Marília, onde meu pai lecionava, mas acabei indo parar em Cerquilho, morar com Mariana uma namorada que conheci em Registro. Era um mar de fogo, foi ela quem me levou a  incursionar pela poesia, paixão avassaladora. Nunca mais tive outra igual, apesar que os 6 anos vividos com Gigi foram vulcânicos também.

Artur Gomes - Como você foi parar em Batatais em 1987?

Federico Baudelaire - Eu tinha  conhecido o Gariel de La Puente, em Assis, e desde que o conheci colaborei com a sua revista de contos: FURAPRHOYDI. Em 1985 era para ter ido a Jadinópolis no encontro que ele organizou mais não foi possível, estava tentando exame para comunicação na  PUC , e levei pau, passava por um momento de grande depressão. Em 87 Gabriel me convenceu e lá fui  eu mergulhar naquela fogueira que foi a semana em Batatais. Foi lá o último encontro que tive com o meu pai, na fazenda onde ficamos hospedados, com mais alguns poetas, entre eles: Hugo Pontes, Paulo Bruscky, Ricardo Pereira Lima, Jorge Mautiner, Nelson Jacobina, Cesar Augusto de Carvalho, e o cineasta Guilherme Almeida Prado.

Artur Gomes - E por quê não nos encontramos Registro em 1990, e fomos nos encontrar em Outro Preto naquele mesmo ano?

Federico Baudelaire - A Mariana, é filha de uma família tradicionalíssima de lá, japoneses cultivadores de chá e banana, zen budistas, ela ficou com receio dos seus pais não aprovarem o nosso relacionamento. Em setembro de 1990 já estávamos morando em Ouro Preto, Mariana cursava arquitetura na Federal de lá.

Artur Gomes - Mas naquele ano mesmo começou o seu romance com Gigi na Mocidade Independente?

Federico Baudelaire - Não. Lá em Ouro Preto começou o nosso contato, e a partir dali um bom período de trocas de cartas. Só fui para Campos em 92 para o primeiro desfile da Mocidade, e por lá fiquei até o desentendimento com Pastor de Andrade, em 2002. Aí botei a mochila nas costas novamente. Primeiro baixei em São Paulo, tinha feito uma Oficina de Artezanato com o Hélio, na Oficina Cultural Oswald de Andrade, e pensei que ele ainda estivesse por lá, como não estava fui procurá-lo em  em Curitiba e por fim e fui parar na Bolívia, até nos re-encontrarmos em 2015.

Artur Gomes -  Vamos deixar de lado agora o pessoal e entrar na sua vida de poeta, a apesar de achar que elas se confundem. Como se processa o seu  estado de poesia?

Diego com Rachel Rosa, se preparando para interpretar
 Federico Baudelaire em Leminskiando Em Cena.  

Federico Baudelaire - Primeiro eu tenho que me localizar em que estado me encontro. dependendo desse estado, é uma música, uma palavra que desconforta ou desconcerta, um fora de uma porta bandeira qualquer. Quando você me colocou para contracenar com Clarice, por exemplo, o meu estado era de desvario pleno, pois pensava encontrar na minha frente uma mulher madura, quando me vi diante daquela lindura, que era a Rachel Rosa logo pensei em Wally Salomão - : "me segura que eu vou ter um troço". Na verdade, não tem uma coisa lógica, racional. Acabo de ler uma entrevista que você fez com Fábio Pessanha, que me encantou, me vi muito ali naquelas figuras de linguagem que ele coloca como exercício de escrita.
Artur Gomes - Seu poema preferido? Próprio. Ou de outro poeta de sua admiração.

Federico Baudelaire - meu. não que seja o melhor, mas tem um grande significado pela motivação da escrita, pelo local onde foi escrito e o fato que o motivou. eu estava oculto em Bento Gonçalves-RS ano de 1996, primeira edição do Congresso Brasileiro de Poesia, lá, onde reinava Afonso Romano de Sant´Anna Fernando Aguiar, Hugo Pontes, Clemente Padin e Virgílio Lemos.   Essa minha incursão pelas virgindades poéticas de Bento  me rendeu 6 anos de cartas incendiárias trocadas com uma musa que conheci no hall do Hotel Dallonder numa madrugada inteira de poesia 



desfloração

teu corpo é carne de uva
meu líquido - vinho
como chuva - molha teu corpo
de dentro
no altar sagrado dessa casa de pedras
esse vale agora secreto
testemunha do ato profano
a cada segundo dessas horas
em nossos corpos carnaval 
em que desfolho teu bem-me-quer
e cheiro as flores do mal

de outros: são dois que não me largam, O Corvo, Edgard Alan Poe e Cântico dos Cânticos Para Flauta & Violão, Oswald de Andrade.

Artur Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira?

Federico Baudelaire - tenho vários. depende muito do estado de poesia que eu queira desbravar naquele instante em que me jogo numa cama, só, ou acompanhado. quando só, toda a troup da poética brasileira contemporânea, ou até mesmo alguns anteriores. quando acompanhado gosto de ter na cabeceira as poetas: Ana Cristina César, Olga Savary, Hilda Hilst, são poetas que me apunhalam, me exploram e ao mesmo tempo me esporam. Gosto das per-versas as que maltratam, para mostrar a quem deitou comigo que o amor se faz por todos os sentidos, mesmo muitas vezes não tendo sentido algum.

Artur Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsione para escrever?

Federico Baudelaire - o toque  do corpo a corpo na carne da palavra. isso apesar de não ser o bastante, é o que pode ser a tecla propulsora de uma criação. agora mão gosto de pedra de toque. Uilcon Pereira tinha a mania de falar no livro de capa preta, como essa pedra de toque. O que na verdade nunca soube exatamente o que era para ele. muitas vezes para mim a pedra de toque é a própria palavra que preciso naquele determinado momento da vertigem. e essa citação do Herbert Emanoel é bem adequada para o que penso a respeito do instante da criação: "o poema é a espantografia da linguagem". Isso para mim significa que o ato de escrever é um estado de êxtase. não sei criar  em outro estado.

Artur Gomes -  Livro que considera definitivo em sua obra?

Federico Baudelaire - não é  um livro, minha obra está marcada pela minha trajetória nos desfiles da Mocidade Independente de Padre Olivácio - e para mim tem um desfile definitivo que é o de 1992 em Campos dos Goytacazes, com a banda do Boi Capeta, e no verão de 1993 no Farol de São Tomé, com o Boi Chupeta. Desfilar com aquele Samba Enredo - : Federika A Porta Bandeira Que BorTou Olivácio Doido, foi a glória total para um mestre/sala anarco como eu.

Artur Gomes - Além da poesia em verso  já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia?

Federico Baudelaire - poesia em verso escrevo muito pouco. tenho algumas incursões como ator de teatro, e na minha estada na Bolívia fiz curso de cinema, aproveitando umas experiências que tinha feito em São Paulo na Boca do Lixo, enquanto Guilherme filmava Perfume de Gardênia, que antecede A Dama Do Cine Xangai. Hoje escrevo alguns salmos para as festas das Bacantes da Igreja Universal do Reino de Zeus, principalmente para os discursos de Dionísio nos seus encontros com Vênus quando ela se transforma em  Afro-dite-se-quiser. são as  epístolas  das minhas sagradas escrituras. também vez por outra escrevo prosa poética quando re-visito os quintas de Assombradado, com re-leituras da trilogia No Coração dos Boatos, de Uilcon Pereira e em textos para entrevistas.

Artur Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho?

Federico Baudelaire - esse tempo em que estamos vivendo é a própria pedra no meio do caminho. mas o primeiro impasse que tive na vida e que percebi uma pedra do nomeio do caminho tirei de letra com esse poemeto:

não prego prego sem estopa
não uso óculos de garfo
só tomo sopa de colher 
ninguém me ama
ninguém me quer
ninguém me chama
federico baudelaire

no momento me veio a lembrança as ironias de Nicolas Bher com o seu livreto Yogurte Com Farinha que tinha lido no início dos anos 80.

Artur Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?

Federico Baudelaire - de verdade. não sei dizer. tenho andado bem pessimista com esse estado de coisas. vez em quando me vem a mente e assovio umas canções do Belchior, e um dos seus refrões que não sai da lembrança desde a primeira vez que ouvi -

: "tenho sangrado demais
tenho chorado pra cachorro
ano passo eu morri
mas esse ano eu não morro". -

Artur Gomes - Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?

Federico Baudelaire - bem acho que a minha tribo está na estrada. na geração beat, hippie, alucinógena, já experimentei quase de tudo. nos anos 70 aprendi a encarar o mundo com Janis Joplin, Jimmi Hendrix, Bob Dylan. sou mais  ligado a audição. a música é o que me alimenta e ao mesmo tempo me desconcerta desconforta mas também me impulsiona. Quando comecei a ouvir Caetano, Gil, Tom Zé, Gal, Mutantes, o Terço, o comecei a perceber que o barato era  total.  foi como se  um trem de ferro passasse lotado a todo vapor por minhas estações dos desencontros.

Artur Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?

Federico Baudelaire - para mim ser poeta é ser Mestre/ Sala da Mocidade Independente de Padre Olivácio. é lá que ainda me encontro, lá é o meu lugar de ser e de estar. onde encontrei a minha grande paixão, o meu poema carne osso e não vai ser um Pastor de Andrade que vai ser o exterminador do meu futuro. quanto a isso sou otimista, ser poeta é ter também a picardia a teimosia e não desistir dos seus sonhos mesmo que estejam mais para o impossível.

Artur Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?

Federico Baudelaire - pensei que fosse  perguntar o nome do meu pai. Mas mesmo se me perguntasse eu não iria dizer, em respeito a sua memória e ao seu descanso eterno. 

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