quarta-feira, 20 de julho de 2011

entre/vista - romério rômulo

romério rômulo e manuelzão miguilim


Romério Rômulo é poeta, editor, professor de Economia Política da Universidade Federal de Ouro Pretoe um dos fundadores do Instituto Carlos Scliar, com sede no Rio de Janeiro.Com vários livros publicados, seus títulos mais recentes, em poesia, são "Matéria Bruta" e "Per Augusto & Machina", da Editora Altana, SP.

Seus poemas são postados na http://romerioromulo.wordpress.com/   "

Uma das mais bela experiências com arte que tive na vida, aconteceu em 1995 em Ouro Preto, durante o Festival de Inverno da Universidade Federal de Minas Gerais. Estive lá com os Retalhos Imortais do SerAfim – Oswald de Andrade Nada Sabia de Mim – exposição de poemas.gráfico visuais e performance com Clarice Terra e Rey de Souza, tudo inspirado no livro Serafim Ponte Grande, do Oswald.

Aproveitando a estadia por lá, freqüentava uma Oficina de Criação Literária dirigida por Sebastião Nunes, e foi ele quem me fez ter o primeiro contato pessoal com Romério Rômulo, porque antes disso eu já andava bebendo da sua poesia, por conta da Mostra Visual de Poesia Brasileira.


1 – quando a linguagem no poema é carne e quando é osso?


sujo, feio, maldito

o meu verso é um estrago
na linha do meu pescoço
o meu dente, só um bago
o meu corpo, puro osso

minha boca de ariranha
minha mão atropelada
minha ferida medonha
a minha pele rasgada

renasço. a cara lamenta
pelo buraco em que vim
e a minha vida nojenta
explode dentro de mim.


2 – quando frutas sobre   pratos invocam anjos rebeldes?

as coisas de Caravaggio, 3

há coisas como o dia, como a noite
como as maçãs dormidas no seu prato.
há coisas pelos anjos, que intranquilos
revelam um macabro sobre tudo.
há coisas que são poucas e devassas
há coisas muitas, pedras, feitas breves
numa sangria de cuidado e morte.
que coisas arrebatam e nos queimam
de pura dor e sofridão intensa?
as coisas reveladas são mais duras
que a irrevelada ação que as sustenta?

há coisas tão medonhas enterradas
e outras só encanto nos seus vôos
que ávido de tudo me carrego
neste mar de sangrias infundadas.
umas coisas me dizem que sou bruto
tantas outras me regem que sou sábio
e dilaceram meu ânimo de bicho
ou corrompem um ombro puro osso.

todo corpo regado de martelos
que são coisas de ferro desterrado
só me traz um mormaço de peleja
pelas velas que pisam sobre mim.

quanta coisa me faz ser anjo podre
ou demônio marcado de ciências?

neste prato de coisas caravaggio
a vida é um pecado sem final.


3 – o cordel de João Cabral ou o parnasiano de Augusto dos Anjos?

"quando eu morrer amanhã"

(por uma crônica de luis nassif)

quando eu morrer amanhã, não interrogue
da só devassidão dos meus ofícios
eu deixo um girassol, como Van Gogh
e um afro-samba eterno de Vinícius

de Caravaggio eu largo essa madona
a recorrer dos rasgos e artifícios
de Scliar, a paisagem da intentona
de Baudelaire, as bendições e os vícios

ainda fica Zé Limeira no cordel
de Cabral deixo um galo e a madrugada
tecida nas texturas de um bordel
onde Bandeira descobriu-se em nada

de Augusto dos Anjos deixo a trilha
das dores retalhadas numa zona
de um soneto. deixo a luz que brilha
num gol fundamental de Maradona

se assim nos entendermos, volto ao jogo
e trago os meus cavalos e o meu guia
numa cidade escaldada em fogo
onde só queima o extrato da poesia.

quando eu morrer amanhã, deixe o meu vôo
que eu, de mim, jamais morro e perdôo.


4 – onde o corpo fala mais alto no poema?

a mão de picasso, 1

a fala do meu corpo em seu mormaço
se fez medir no pulso reticente
ao me fazer mostrar cada pedaço

quanto eu devo à treva, um penitente
por me saber cavalo e cão, bagaço
da minha mão caída de dormente?

se as estradas trovejam por meus guias
cavalo e cão e boi, estardalhaços
todos os ossos comidos de atrofias
só vão arder mordidos e devassos

num erro extasiado de picasso
peguei na sua mão tardiamente
o mundo é o rastro final de um estilhaço.



5 – algum dia o SerTão osso poderia desvendar os mistérios dos deuses do futebol e da arte?


cordel para Maradona, 1 (osso do sertão)

1.
por tudo maradona é o mais santo
dos deuses argentinos de gardel
sua lavra seguida, seu tropel
fazem campos sair das evidências
se o fulano o abastece de premências
ele é o deus mais cantado do cordel.

2.
já o vi retomar abstinências
numas falas de santa criatura
só moldada a aço e angustura
pra deixar no troféu sua missão
ele é indio, estádio, perdição
um petardo suspeito de clemências
com uma bala de crua arquitetura
dom diego ferreira lampião.

3.
foi o dono dos pontos cardeais
quando em sul manobrou a sua mão
uma santa criatura em pedestais
alagados de tangos argentinos
viva zeus, maradona, esse menino
que ao mundo só trouxe redenção
um irmão, o mais moço, em virgulino
com a bala feroz de lampião.

4.
o pavão misterioso foi atado
maradona é o osso do sertão.


 
 "Adorei os versos desta publicação do entre/vistas! Esta parte "neste prato de coisas caravagio, a vida é um pecado sem final" é simplesmente genial,são estas leituras que aguçam a fome de comer mais e mais as palavras.Grande abraço"
Alcinéia Marccuci - Corumbataí - SP

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