terça-feira, 3 de setembro de 2024

Artur Gomes - O Homem Com A Flor Na Boca

O  Homem Com

A Flor Na Boca

:

Deus Não Joga Dados



Deus não joga dados

Mas a gente lança

tenta –

em arte tudo se inventa 

Eu tenho flores

com a língua atravessada em cada canto da boca

EuGênio Mallarmè


Dê Líricas

 

Bebo teus olhos atlânticos

e tua voz portuguesa

como quem bebe no Tejo

saudades de Lisboa

 

caminho com os teus passos

em direção ao poema do desassossego

Florbela Espanca Alberto Caieiro Fernando Pessoa


 Baudelíricas Baudeléricas

 

o poema um beijo em tua boca bruna tem um B entranhado entre as coxas a pele das amoras gemem quando venta forte em tuas fendas do hoje comi duas nessa manhã incendiária quando vim da cacomanga trouxe nos bolsos da calça remendada linha carretel cola de tribo cerol bambu papel de pipa pique bandeira pique esconde jabuti preá da índia pés de abóboras replantáveis o pé de abacate ainda não nasceu Isadora chegou ontem 30 de março numa tarde outono à sol aberto noite gelada frio na medula maya ainda escreve sobre depressão no tempo falks may abriu as asas pra malásia e a outra mora do outro lado em outra terra rio grande muito longe tenho sede  


com os dentes cravados na memória

com os dentes cravados na memória

 

tontas  vezes me re-par-to mul-ti-pli-co em 7 alegria noves fora nada tudo é baudelérico federico me dizia leonardo fez 80 afonso 84 na rede somos 3 quando ele vem já somos 4 em temporais escrevo e sangro como boi antes da morte muitos outros já se foram e nem gozaram em 69 se eu me lembrar 64 não posso esquecer 68 era uma noite de maio peguei o trem pra são cristóvão depois avião para brasília quando voltei no espelho dédala estava dentro da tipografia


*

 

Em 1995 no Centro Cultural Maria Antônia, na USP, em cia da minha querida amiga Silvia Passareli, assisti uma encenação de Cacá de Carvalho, com texto de Pirandello que me pegou da medula ao osso. A plateia era de 40 pessoas apenas e Cacá circulava entre nós com a sua energia pulsante magnética. O texto era um fragmento de uma trilogia que ele deu o nome de O Homem Com A Flor Na Boca. E a ele, Cacá de Carvalho, dedicamos este livro.

*

                Ofício de Poeta

 

franzir a noite

é o mesmo que bordar o dia

costuro o tempo

com linha de pescar moinhos de vento

entre o franzido e o bordado

escrevo um desenredo

e vou foto.grafando

filmando poesia

na solidão dos meus brinquedos

 

II

 

costuro arco-íris

com linhas de bordar

teus olhos d´água

III

 

pego na enxada diariamente

para capinar o quintal

da estação três cinco três

 

literalmente

 

não é metáfora

para lamber cio da terra

como na canção que Chico fez

 

IV

 

a poesia as vezes me vem da fala

outras de vozes absurdas

na travessia cantei pontos de Jongo

em Folias de Reis Festas Juninas

despachos de Macumba

para me defender dos capataz

nunca vivi porto seguro

na minha praia não tem cais

escrevo como falo aprendi com os ancestrais

 

V    

com uma câmera nas mãos   

um poema na cabeça

vamos filmar o poema

antes que desapareça 


A folha de papel em branco sobrevoa a transparência diante do espelho onde me espreitam dois grandes olhos  feito jabuticabas de um pomar que inda procuro a palavra escrita ainda não dita de um desejo impuro e a folha branca de papel pousa em tuas mãos como um pássaro não nascido ainda vindo do futuro. 

*

carne proibida 2

 

abusas no meu e-mail

no centro de gravidade

desse meu corpo elétrico

 

não me dissestes porque veio

acender a lâmpada

na metafísica dos poros

 

devoro teu corpo atlântico

com meu canino esquerdo

 

minha fome é quântica

como um barril de pólvora

com o pavio aceso

 

II

salsa alecrim alfavaca cebolinha

azeite limão hortelã vinagre

azeite com pimenta

 

quem resiste esse peixe temperado

que a poesia em mim inventra

 

vem lambe minha língua

que esse me(u)l sal te alimenta


tempestade/temporais

 

eu sou avesso atravesso a cidade

com o que me interessa

as vezes sou sossego outras vezes tenho pressa

 

não procuro o que não quero

me abstenho no que faço

me abstrato quando posso

me concreto em cada passo

 

o compasso é argamassa

o absinto quando traço

uma linha nunca reta

da palavra em descompasso

 

se sou torto não importa

em cada porta risco um ponto

pra revelar os meus destroços

no alfabeto do desterro

a carnadura dos meus ossos


                          Terra em Transe

 

em 1990 estava eu em Registro em mais uma transa  literária que tinha sido iniciada em Jardinópolis depois de uma passagem por Batatais, onde Hygia Calmon Ferreira, a musa do poema Sagaranagens Fulinaímicas, me apresentou algumas  estudantes  do curso de letras na UNESP, em São José do Rio Preto.

Em Batatais, quando desci do palco do Teatro Municipal, dois lábios vermelhos carnudos encarnados e dois olhos azuis vidrados vibravam em minha direção, era Cláudia, que ganhou  beijo na boca e alguns anos depois Copacabana consumou  nossos desejos.

Em Registro era uma noite de Sarau no restaurante onde jantávamos  e eu ali absurdado com os poetas soprando palavras ao vento, foi quando Mariana de Piracicaba, vindo a mim feito ondas, me ofereceu saliva ardente numa pétala de rosa branca e espuma vermelha de batom -   delírios em sua língua de Vênus.

 

Desde então queimando em mar de fogo me Registro

 

hoje

o maior desafio

                          permanecer Nu cio

 

  

Ando alpha

Quase beta

Meu destino ser poeta


A mulher dos sonhos

 

ela ainda guarda na boca este poema entre os dentes a língua saliva sílaba por sílaba as palavras que invento ela fala em meus versos ao sabor do vento enquanto freud não explica o que ainda não fizemos ela mastiga meus biscoitos finos e vê nos búzios minhas mãos de fogo quando tem no livro este incenso aceso as entre minhas em  entre linhas  salta das metáforas por entre portas e janelas


no poema o que ficou?

para

Cesar Augusto de Carvalho



no poema ficou caco de vidros

azulejando nos azuis

no poema ficou o corte mais aberto

o sangue mais secreto

tanto mal secando blues

 

no poema ficou a língua cega

a faca desdentada

a fome afiada onde era mel agora é pus

no poema ficou o obsceno não sagrado

o beijo ensanguentado

o abstrato do concreto

no poema ficou um objeto

um soneto esfacelado

um hiato no decreto

 

no poema ficou mais um retalho

mais um trapo do espantalho

nesse circo abjeto

no poema ficou o sangue amargo

numa noite quase nada

num curral analfabeto

 

no poema ficou a escuridão

nuvens de cinzas

onde antes era luz

 

no poema eu fiquei de pé quebrado

no velório esquartejado

nessa terra  de  tanta cruz



Dédalus

para Alberto Bresciani

e o seu magnífico Hidroavião

 

O poeta pesca peixes

na floresta de concreto

lâminas de cimento

 

há séculos

não está pra peixe este mar

aqui redes em pânico

pescam esqueletos no ar

 

linhas de nylon

degolam tartarugas

que morrem náufragas

na Av. atlântica

o poeta cata os cacos que restaram

desta pátria desossada

*

arde em mim

um rio

de palavras

 

corpo larvas erupção

mar de fogo

vulcão



no romance do Poema

Mário Faustino traçou o seu destino

 

FederikaLispector


havia ali
o voo
em que Faustino
se dissolveu
no ar
tornou-se
fausto
anjo
aéreo

 

Herbert Valente de Oliveira


Irreverência ou Morte!

Gigi Mocidade


escrevo para não morrer antes da morte

Federico Baudelaire

 

o poema é um lance de dados

mas não fugirá ao acaso

 Stéphane Mallarmè


linguagem toda viagem

 

imagens sempre me levam a viagens impensadas fotografias me levam a grafias outras imagens recriadas escrevo não como Manuel Bandeira para não morrer mas como Federico Baudelaire para não morrer antes da morte. ontem o sonho me trouxe ela de volta leve como espuma quando beija a pele da areia. muitas vezes imagens me levam a viajar -  como deve ser escrever para não enlouquecer ?  muitas vezes algas que ela  traz no mar da boca desce abaixo do umbigo e se encaixa entre as coxas encharca a língua de saliva e me lembra algum despacho Olga Savary quando me diz que mar é o nome do seu macho.

 

poema

 

o poema pode ser  um beijo em tua boca a orelha de Van Gog bandeirinhas de Volpi os rabiscos de Miró  o assassinato de Lorca o poema pode ser  o que vai o que não fica Lupicínio na Mangueira Noel Rosa na Portela uma jangada de velas um parangolé do Oiticica o poema pode ser os meus músculos de ossos a minha pele de sangue a morte ancestral em cada mangue e os negros nervos de aço estraçalhados em Martinica o bombardeio de Guernica o cubismo de Picasso


 o

                           Delírio é a Lira do Poeta

se o Poeta não Delira

sua Lira não Profeta

                                          

Artur Fulinaíma


ando tendo sonhos antropológicos que mais parecem pesadelos e a desgraça é tanta que dói até nos cotovelos 


poesia

à flor da barra

 

amor à primeira vista

meu livro vermelho de sangue

Ouro Preto na contra capa

a musa morta no mangue

rosa vermelha no altar

desejo paixão fogo brasa

incêndio na minha casa

para nunca mais se apagar


poema 1

 

o que você faria

se soubesse que és musa

de dois poetas tortos ?

 

um visivelmente você sabe

o outro se oculta

por trás da lua nova

quando deita rede na varanda

               com sua luz de zinco prata

 

o que você faria

se hoje eu te dissesse

que o tempo tarda mas não finda

e que a lua só é nova

por quê se preservou dentro da mata

                                      curuminha ainda? 



poema 2

 

esse poema mora dentro de ti

entre pele pelos músculos nervos ossos

quase pronto      mas sempre inacabado

não importa o caminho que o tempo

o disperse em curvas de distâncias

ou que o carinho não baste

quando é sede e fome que que se tem no  corpo

 

não sei por quantas vezes

nem sei por quantos anos

um pássaro leva para se abrigar no ninho

ou para fazer de um fio elétrico

o seu lugar de pouso

quando quase tudo no poema ainda está por vir

só sei que pode sol e chuva atrapalhar o canto

mas será sempre no teu colo que ele

                                                             um dia irá dormir  


poema 3

 

o homem com a flor na boca

faz dos seus versos

poesia um tanto prosa

 

tem na pele o couro cru

e um parangolé

pendurado no pescoço

onde pensamos nervos

no seu corpo -  ali  é osso

 

tua língua atravessa

o pontal das coxas

quando o leito do seu rio

transborda um oceano

 

carrega espinhos na carne

como fossem pétalas de rosa

com os dentes rasga da musa

 - todo pano - e ali mesmo goza 


poema 4

 

meus olhos atravessam
as lentes - o peixe
e caminham em direção a luz
que está do outro lado
o infinito
que me espera com seus
olhos d´água

 

ela virá com sua boca
de batom marrom vermelho
e eu espero
com minhas 7 línguas
atrás da porta

com o mel e o veneno
a pimenta e o azeite
vamos devorar o peixe
no caldeirão incandescente
em nossas línguas
só flechas - o fogo
                     a águardente –

poema 5

para Jorge Ventura

 

a faca não cala do poema a fala

Dionísio Neto de Bacco

quem sabe filho de Zeus

jantou comigo a Santa Ceia

na casa de Prometeus

nas madrugada de Bento

lambeu o vinho nos seios

das Bacantes no convento

por todos poros do corpo

por todos pelos  e meios

depois grafitou nas vidraças

com dedos de diamantes

a Rosa de Hirochima

num coração estudante

  depois de romper o dia

 por volta da seis e meia

era um coração de poeta

          com poesia na veia 


poema 10

 

meus caninos

já foram místicos

simbolistas

sócio políticos

sensuais eróticos

mordendo alguma história

agora estão famintos

cravados na memória


poema 11

 

escorre - nus

teus seios

espuma que jorrei

em tua boca

 

ainda existe algo

entre as coxas

e as costas

algas - água

o sal da língua

que lambeu a tua ostra


                                     poema 12

 

tem algo de errado

nessas estatísticas de mortes

dessa pandemia

 

multipliquem  60.000 X 10

e ainda não vai ser exato

o número de cadáveres

empilhados nos campos de concentração

que dá um nome ao   país

que ainda nem era uma nação

 

 poema 13

 

arranco mais uma pérola

do ventre de hilda triste

na porta da tua casa

meu poema ainda insiste

 

a menina que matou o tempo

o vento também comia

na lâmina do catavento

pra espantar a maresia

 

nas ruínas de santa teresa

era domingo de poesia

bateu uma pedra no rock

e nos levou na ventania

 

                                        poema 14

profissão – poema do livro

Suor & Cio revisitado

 

meu ofício é de poeta pra rimar poema e blusa e ficar na tua pele pelo tempo em que me usa pelos mares de Ipanema nessa minha epifania disse pra flor do lácio vista-se de poesia rasgue os tecidos da carne pegue a língua que lambuza lambe também minha língua na linguagem  - minha musa



poema 15

com os dentes cravados na memória

 

I

 

por todos anos 80

 ipanema 83

 flora recém nascida

e eu chegando aos 40 

gomes carneiro  visconde de pirajá bem próximo ao carinhoso

 bartolo com seu trompete

depois que a noite dormia

 tocou numa pérola negra

 e beijou o novo dia

 

no boteco de onde estava conselheiro lafaiete

refúgio da boemia

me acordou da noite fria

 clara  clarividência aflora sonoridade – melodia

logo depois era drummond

na praça general osório

pra enriquecer meu repertório

na pedra da poesia

 

II

 

ipanema 84

 filipe recém nascido

 por esses tempos vividos

 na aldeia carioca 

 com todo vapor barato 

na tribo os sete sentidos

 nesses dentes da memória

os 5 presentes no corpo

outros 2 ganhos no tapa

pelas ruas de ipanema

até os  botecos da lapa



poema 16

 

respiro-te enquanto escrevo

teu cheiro trazido pelo vento

vem da carne de  manga

que mastiguei cinco minutos

 

tens o poder de me deixar em alfa

e me levar aos píncaros 

                           nesse estado êxtase

quando estou em transe

                           quando alfa é beta

e o luar da tarde são teus olhos raios

                         quando os meus acerta


 poema 17

 

fiz um trato com a ironia

o sarcasmo         a poesia

o bom humor a picardia

 

para enfrentar essa tragédia

tenho de sobra a alegria

e o que não falta em mim é  sobra

                 visceral antropofagia

tenho de sobra em minha obra

          profanação sagrada orgia

                              


                                      poema 18

 

nos meus delírios baudeléricos

ou mesmo fossem baudelíricos

sonho teu corpo flor de cactos

como se fossem flor de lírios

toco teus pelos flor do mangue

pulsando sangue em teus martírios

penso teu sexo flor de lótus

sagrada flor dos meus delírios


poema 19

 

a língua hoje passeia

pelos martírios de florbela

em tudo que ela não disse

ou mesmo exposto não revela

              pelas janelas do corpo

por todas dores prazeres

no que ficou por dizeres

no silêncio quando cala

por tudo que ainda não cabe

na sensualidade da fala

 


 dor de cabeça

para Walter Franco - in memória

 

hoje me peguei
com uma dor de cabeça?
o que é que eu tenho
nessa cabeça?

 

perguntei ao seu doutor

essa dor de cabeça
é minha ou é na cabeça do  senhor?

 

essa fumaça densa espessa
nessa manhã de fevereiro
quando no Rio de Janeiro
se assanha o carnaval

 

será Brasília o vendaval
o desespero, esse fascismo brasileiro
com cara de neonazismo
ou fanatismo Imperial?


tantos pratos

e talheres sobre a mesa

              onde tudo cabe


desde que não seja lama

desde que não seja Vale


Holocausto

quem se alimenta

dessa dor

desse horror

desse holocausto

 

desse país em ruínas

da exploração dessas minas

defloração desse cabaço

 

quem avaliza o des(governo)

simboliza esse fracasso?


metafórica dialética

 

quantas teorias terei
para escrever o que falo?

 

quantos sapatos ainda apertam
os calcanhares do meu calo?

 

me esqueço as vezes sobre a mesa
no jantar ou no almoço
garfos facas pratos talheres
me perco sempre em  incertezas

se são onças leoas leopardos tigresas
e não saber  se amanhã
vão morrer quantas mulheres

                nas fardas da realeza 


Zeus me livre

 

Zeus me livre dessa trágica comédia brasiliense

prefiro o nonsense - a patafísica

o teatro do absurdo de Ionesco, Arrabal

Fando e Liz, A Cantora Careca

As Cadeiras, A lição, Rinoceronte

 

As Mortes do Tanussi

me removem cicatrizes

como dias mais felizes?

 se Belo Horizonte chora

a morte de 56 mineiros

e o Espírito Santo também chora

os corpos soterrados pela lama

a Máquina do Mundo nos devora

nessa tragédia social

os 270 mortos em Brumadinho mostram que nesse hospício 

há muita lama no       meio do caminho

 

 fake book

 

o face detonou
minha família inteira
e lá se foram
os meus amores carnais

 

e agora o que eu faço
sem as Anas sem as Eras

as Cristinas Isadoras Micaelas

Vênus Afrodites todas elas
os bem-me-quer dos carnavais

 

essa rede assim fascista

 não comporta
os meus poemas canibais


crise

diante dessa crise tanta
não adianta

        fazer o que não deve

 

no improviso do repente
poeta inteligente
não inventa:     escreve


poética 56

 

é ela mica bela
a mulher dos sonhos
que me acorda sempre
de um sono atávico
            um delírio pleno

uma vertigem calma
na viagem metafórica
dessa noite quântica
em que meus dedos sonham

 

tua pele clara
tua alma atlântica
esse pássaro raro
que me acende a lâmpada

 


 poética 57

 

se a negritude ameríndia
do meu canto
lhe causa desconforto
insana criatura

desse brasil escroto

                       sai do esgoto

não se assuste

com essa química
isso se chama

Sagaranagens Fulinaímicas
meu girassol de metáforas
meu caldeirão de misturas


À  Flor da Pele

para Zeca Baleiro

 

o beijo partido tantos anos de infância já pensando o sexo o cavalo baio no curral sem cela desejando a égua entre as primas dela esse amor me corroía  as tripas devorava o crânio dilacerava estômago me comia   os ossos tendo a carne em febre  como  tremia o corpo numa noite fria sem oração ou prece na secreta inconsciência

 

"como um poeta que envelhece  lendo Mayakowski na loja de conveniência"


 ando

tão tenso

nesse tempo

           estático


diagnóstico urológico


segundo o urologista

o sangue na urina

transbordou da próstata

sem passar pela bexiga

                     direto na ureta

 

e se não fosse tanta dor

juro quem sabe um dia

eu seria um bom poeta


FULINAIMAGEM

 

mais breve que

                      ponteiros de relógios

o amor roeu os ossos

comeu a cartilagem

                  da linguagem dos negócios

 

minha vida de cachorro

não está pra peixe inteligente

tenho chorado

                         as mortes que não tive

                         o morto que ainda vive

 

tem gente que aterroriza

minha pobre paciência

                        tamanha a indecência

dos seus discursos de bestas

           da sua língua de bosta

 

 Da série FAP

(Festival Amargas Palavras)

 

minha língua faca
corta cana brava
pra vingar meus ancestrais

se não é álcool
nem açúcar
o que é que essa usina faz?



bacantes na minha cama de vênus

 

minhas putas não me levam à sério

me comem sorrindo

como se estivessem saboreando

                 um manjar dos deuses

 

me chamam de Dionísio

gozar  querem demais

               nunca de menos

só se vestem de Bacantes

em nossas  camas de Vênus

 

Federico Baudelaire


  

FULINAIMAGEM 3

Overdose Nu Vermelho revisitada*

 

na linguagem dos 80

o corpo não precisava

de puteiro  prostíbulo    bordel

 

faltasse carne

pra roçar os óvulos

 a língua jorrava tinta

                        no papel

 

*Overdose Nu Vermelho – poema do livro Couro Cru & Carne Viva - 1987

 

                       FULINAIMAGEM 4

 

muitas vezes a língua pulsa pula para o outro lado do muro  outras  vezes a língua pira punk nesses tempos obscuros às vezes a língua Dada vai rolando dados nesse jogo duro muitas vezes a língua dark jorra luz nas trevas desse templo escuro

 

 FULINAIMAGEM 5

 

nessa linguagem de palavras ostras

marisco em minha língua

                                   espuma

escorre entre tuas coxas

 o mel da palavra

                              pluma

 gosma dessa baba enguia

feito fogo queima  o sal

 dessa água impune fosse

                      espada peixe

       flecha ao sol no meio dia


                    FULINAIMAGEM 6

 

minha língua baudelérica

faca de dois gumes na métrica

 morde o outro gumes na delírica

 a minha língua só fonética

                                   mallarmaica

                                   brazilírica.

                                 

 

minha língua pós andrátrica

drummundana cibernética

 afrodite na genética

 mata o verme da quadrilha

 bomba de nêutron energética

 assassígna de brazilha


                    FULINAIMAGEM 7

 

língua nova não tem dono pode estar em qualquer boca  na minha na tua na dele na dela   morde portas e janelas como se algum dente fosse língua nova está na casa na areia na argila nesse barro chão batido nas paredes de tijolos nos telhados de alguma casa mesmo  fosso língua nova está no corpo está na carne está no sangue está nos ossos  língua nova é quando posso catar o caranguejo pra escavar um novo poço


                               FULINAIMAGEM 8

 

a língua cospe da boca  essa saliva sangue escarro do beijo  que me foi roubado de outras bocas bêbadas desses dias inglórios descem cascatas de trovões anunciam  tempestades o sal amargo de algum ventre exposto as sevícias da barbárie nas ruínas dos castelos entulhos dos palácios esqueletos carcomidos por longos séculos de ócio


FULINAIMAGEM 9

 

rasgo o véu na membrana em tua íris espinho minha língua cavalo no galope nesse pasto de quimeras  era foice faca e vieste de outra Hera  fosse febre fértil  fumo nas artérias fosse sangue venoso em minhas veias óxidas rios de carbono e chumbo lama mineral nos restos dos impérios  que um rei tirano trouxe



BraziLírica Pereira: Revisitada


*


 Leminki Ando

 

só olho ana à vera faça outono ou primavera quantas eras quantas anas em carnaval meu olho disse: ana à vera  vera ana  ana clara claralisse vejo ana lendo eunice quando li eu vi luana e ana ali só vi liana ana verso analice


um lance de dados

 

doze e quarenta e seis  mallarmè na hora incerta dormindo invisível na grama segunda semana de dedos nas bocas sinal inviável na quarta dedo de deus na montanha descendo a serra na terça apontando os dardos pra besta beijou a dama de copas cuspiu no reizinho  de espadas  jogando dados na sexta

 

                        macabea vozifera

 

lady gumes a diretora geral do presídio federal de brazilírica, impressionada com a decisão pungente das metáforas em produzir libertinagens, traçou um plano para que as meninas pudessem vez em quando sobrevoar os céus do parador em grande falo gigante capricónio tropical.

macabea, a ofendida tentou de tudo: forjou mentiras, corrompeu guardas, comprou juízes, cooptou alunos, advogados de deus e do diabo, para que o vôo libertino das metáforas fosse exterminado.

"não estou aqui para que pintores sem a mínima competência pictórica tentem lambuzar com qualquer tinta da porra a minha estrela que não sobe". voziferou  Macabea.

lady gumes, decidida, prosseguiu afinando a faca nos dois legumes, e no momento exato final e derradeiro serrou as grades de ferro que amarravam as portas do corredores do presídio central.  assim feito, as metáforas sobrevoaram com um zepelin rasante, levando nas asas o seu másculo músculo aninal, e as metáforas se abriram flor de lótus em bandeiras brazilíricas tropicalhas como as filhas do chico da mangueira.


                                         murilínDia

 

o poeta experimental passeia sua cueca monossilábica por cima dos pianos na madrugada devorando amoras. macabea invoca nossa senhora das derrotas para enfrentar o desvario. o poeta está nu cio. macabea corre o poeta flama inverso macabea chora. experimental barroco o poeta sobrevoa palácios e urubus. macabea tenta  mas não consegue ser pagu. o poeta é phoda. macabea pede: o menino maluquinho faz que não entende. macabea implora: e o poeta põe na metáfora do cu.

 

 

 B

no coração dos boatos

 

isso aqui não é a hora da estrela, minha mãe não é alice que apesar de freira, de hábito só tinha o vício de me prender pro entre o crucifixo colocado em  suas pernas. macabea vivia falando sozinha pelos corredores federais da outra inquisição. conseguia vez em quando reunir alguns habitantes mal informados sobre a insurreição das artes aromáticas e passava o tempo querendo mostrar  seus dotes na culinária nua e crua. seviciada pelos estivadores daquele cais do porto tentou arrancar o sexo com as unhas e enlouqueceu uivando como loba amarrada à santa cruz com jesus da goiabeira.


Obs.: BraziLírica Pereira : A Traição das Metáforas, foi editado pela Edições Alpharrabio e lançado no ano 2000 no Centro Cultural  e Livraria Alpharrabio em Santo André-SP e na I Bienal do Livro de Campos dos Goytacazes-RJ


                          FULINAIMAGEM 11

 

pessoas que me comovem são aquelas que vivem ou viveram com os seus fios elétricos ligados cuspindo seus relâmpagos suas trovoadas sobre as nossas tempestades. sou fanático sim por blues samba e reggae. faço as minhas escolhas independente do meu coração partido e sigo vivo com os Dentes Cravados na Memória para nunca jamais esquecê-las como a carne que comia -  pessoas que me comovem rasgam o peito e                                      deixam sangrar    porno grafia 


Poética 100

 

desconstruir os objetivos fascistas
:

eis a questão

 diária missão

de cada um de nós

                      poetas
quando sabemos que

                                linha torta
                               é muito mais
que um poema em linha reta

 

  

fulinaimagem

:

linguagem

toda viagem

:

 

FULINAIMAGEM 12

 

quando zeus

me apresentou o raio

umbanda venceu demanda

conheci um cão azul

que me guarda

              na varanda

 

 tragicomédia brasileira I

 

a boca salta pela língua 
vísceras de peixes nos varais
meu corpo parede sem reboco
anjo barroco em trapos ancestrais

a casa de cimento pai à pique
roubaram da criança
                         o piquenique

puseram no palanque

                      o satanás

no país que já foi meu
               hoje não mais

 

 

                FULINAIMAGEM 13

 

escrevo como quem cata estrelas do mar na areia da praia como quem come o rabo da arraia montado no cavalo marinho lambendo escamas de sereia com os dentes cravados na memória e as unhas entranhadas em tua veia


o cão azul
para Rodrigo Sousa Leão
                         in memória

 

ele cantava
como um pássaro engaiolado
as 4 da madrugada
no seu apartamento

e me perguntou
se eu tinha gostado
da garganta da serpente

e se era também azul
o cachorro que estava ao meu lado
invisível para mim
naquele momento


        nas fímbrias da memória

 

o meu espelho hoje
só reflete tempestade

sem memória o vazio
nos atropela
pela língua pela lavra
fogo e brasa
do teu corpo me acelera

perdi a conta quantas vezes
o teu nome me arrancou do sono

nas fímbrias da memória
tua memória nua
olhando na janela lua
o dia que não amanheceu

a rua  com sua língua de foca

ainda me causa um arrepio
quando  o telefone toca



o amor
é um barco bêbado
depois da chuva
naufragado frente ao cais
                        em Ubatuba


mulher de nuvens
ou as artimanhas inconsciente dos desejos

 

fosse eu  uma mulher de nuvens não estaria aqui presa a este mar  nas marés suor ou cio passaria como  vento sem deixar rastros vestígios pegadas voaria sobre estradas sem destino cais ou porto viajar mesmo  sem nenhum conforto ou calmaria nas partidas e ventania nas chegadas

vasto brasil esse nordeste centro oeste norte sul se der na telha vou pra leste  fosse eu mulher ou vento sul jamais eu  manso em  calmarias me romperia em tempestades pânico espanto poesias da cacomanga só saudades que mulher de nuvens   seria a mulher que me invade ou a que me prende em sertanias


*

quero saber das incertezas das marés altas baixas frias e mergulhar nas correntezas mesmo que me afogue mais um dia  em ilhas belas portuguesas na mais terrível ventania nas ferraduras de búzios ou algum mar  algaravias onde  mulher das nuvens me leva ao altar das carnavias  em noites de sonhos quando  eu era seu  Dionísio em sacristia  lambia a hóstia  nas coxas a ostra que padre benzia  primeiro    delírio       concreto  em meu estado de poesia


reveillon

 

na sousa leão 22 ela tinha um mar azul por entre as coxas os pelos dourados levaram-me aos campos girassóis -  mergulhamos peixes nossos fogos de artifícios  - na pele de água sal e algas concentrados na yoga - depois do omelete com salame em nossa cama tatame antes do amor em pleno mar de Bertioga.  catamos mariscos nas sextas comemos algas aos sábados cada uma com suas togas com seus aventais adestrados os demônios do inconsciente todos soltos levados pelas  ondas da noite entre  os      corais enfeitiçados  


FULINAIMAGEM 14

viagem para a Rio + 20 – em 2012 –

tendo ao lado minha musa Sanya Hoen

a cinegrafista da viagem

 

a passageira da poltrona ao lado observa a paisagem atentamente na janela meus olhos focam o seu perfil na tela meu dedo aciona o dispositivo do zoom para ter a sua imagem mais de perto o coração entende a sensação do seu olhar flertando a câmera o sentido está aberto na viagem onde a surpresa não tem planos e a arte é puro acaso do que possa acontecer
na engenharia dos músculos que se movem inconscientes onde poema houver na miragem oculta numa manhã de sexta depois de noite inteira de cerveja para perder o sono sem saber que na poltrona ao lado na luz desta miragem  iria amanhecer

 

                   FULINAIMAGEM 15

 

quando pela primeira vez mergulhei teus mares Rio das Ostras gozei de amor e ócio pelos caminhos de Darwin ainda não existiam vândalos - selvagens para mastigar os seus destroços -  agora existem os que vieram para destruir a tua história e a arqueologia  dos teus ossos – para eles meio ambiente tanto faz como tanto fois - e a conservação dos manguezais fica sempre pra depois



O Poeta enquanto coisa -

revisitado 


ancestral

 

há muito tempo não recebo cartas de ninguém mas não rezo padre nossos simplesmente para dizer amém          já fui católico rezei terços ladainhas acompanhei a procissão dos afogados na tapera para soletrar a palavra ca co man ga e entender que o barro da cerâmica trago grudado na retina - meu batismo de fogo foi numa santa cecília entre víboras e serpentes  mordi a hóstia do padre - sua saia preta -  me levou a pânicos e pesadelos - de sonhar com  juízes que hoje posso saber o que são -  minha África são os olhos negros de Madame Satã - na língua tenho uma sede felina  na carne essa  fome ancestral pagã – de ser um homem comum filho de Ogum com Iansã


 

           bandeira nacional

 

com palavras sons imagens versos inauguro o monumento no planalto central araçá azul domingo no parque vapor barato mal secreto pérola negra construção cabeça poema concreto arte poesia teatro cinema pós poema terra em transe tropicália grande sertão veredas vidas secas memórias do cárcere parangolés hélio oiticica artur bispo do rosário bacurau - seja herói seja marginal


 

marginalha

 

os caranguejos explodem no meu crânio mariposas pousam mas não cantam borboletas voam

mas não falam  os papagaios estão mudos
desde o grito de cabral: por  Terra à Vista!
a amazônia é exterminada por moto-serras ruralistas -  juro que não sou correto juro que não sou decente
poesia é faca entre os ossos carnavalha canivete entre os dentes desde todo tempo as milícias des(matam) nas favelas e todo Dia é Dia D Todo Dia É Dia Dela vivo num brasil subvertido na cadeia esteve preso um presidente e os palácios são os covis desses bandidos.

 


 cato caco de vidro nos azuis

                                             

cato cacos de vidros  nos azuis dos alumínios lâminas  de fogo azulejos nesse olho d'água  algas e pedras nesse tempo ostras  antes das horas que o dia tarda e os tiranos engatilhem  seu torpor maligno - cato caco de vidros nessa areia carma e provo o sal o sangue o sexo a saliva o cio dessas horas tontas - são tantas horas perdidas outras desencontradas  na areia da praia no rabo da arraia na ponta da lua branca nas espumas nos espermas  que não fizeram filhos nas pernas nas coxas no litoral dos anus - essas horas que se perderam em ondas elétricas que se ejaculou nos ventos nas marés do zeus me livre onde netuno não aporta mais os seus navios


com os dentes

cravados na memória

 

em são sebastião do sacramento suas coxas em  movimentos me lembravam  peixes sagrados nos mares que minas não tem - mãos por teus montes claros provocavam  marés - atropelos passeios de língua entre pelos também em outras partes lábios de mel abissal um peixe espada - prometeus -  desejos despindo teus seios teus dentes cravados nos meus e a lua por sobre a capela a luz em tua alma - donzela -  afrodite  - uma  caça indefesa - presa - em minhas unhas de zeus



                FULINAIMAGEM 17

 

essa espessa nuvem de fumaça arregaça meus intestinos me provoca esse estado de  não sei quantas adrenalinas essa besta no cio esse desatino e o destino do menino esse veneno em cada grão de soja em cada grão de milho em cada folha de alface essa face carcomida antes dos trinta e eu pensando no meu filho – o paiol de milho na cacomanga que toquei fogo aos 7 e meu pai num silêncio profundo me colocou  na garupa em seu cavalo e cavalgou pela fazenda eu com medo da bronca ele em tom de ironia e um tanto que de profeta  disse-me em seu silêncio - meu filho vai ser poeta disso tenho certeza disso sei que estou certo ele vai desbravar   céus e terra para apagar seus incêndios com água de sal  dos desertos


ainda que eu fosse

 

ainda que eu fosse peixe
ainda que fosse pedra
maré de maio não medra
maré de junho não fedra

a senhora das tempestades
vestiu meu vestido de chuva
vestiu minha blusa de vinho

nas festas das horas marcadas

a senhora das trovoadas
despiu minha roupa de sexta
despiu minhas roupas de quarta
deixou-me com saldo das festas
        com gosto de encruzilhadas

 

                                     Rúbia Querubim


 

delirante

no mirante do Leblon

 

estava aqui pensando exatamente agora a fantasia que vou usar no carnaval - pensei em sair nu pela avenida atlântica e subir o corcovado e dar um abraço no cristo redentor encontrar um amor vadio em são conrado encarar de frente a barra da tijuca na certa vão me chamar filho da puta viado descarado mas não estou nem aí pra preconceito encontro  Mym Mesma no  caminho e sei  que no carnaval nunca  vou estar sozinho

 

                                  EuGênio Mallarmè


a mulher dos sonhos
será que Freud explica?

 

ontem sonhei com a mulher dos sonhos não era minha mas procurei saber quem era encontrei o endereço não estava -  a governanta me falou que estava em búzios - não a vi mas ouvi uma voz e me dizia: - todo escrito deve ser falado todo livro deve ser bem lido e quem fala deve ser sempre escutado - o telefone toca não atendo nem sei quem está do outro lado - deu pra ver dois olhos nos búzios na areia ainda molhada pela espuma das ondas e o vai e vem me deu um susto era ela toda de branco lenço azul nos cabelos 3 contas de vidros nas mãos quando percebi quem era acordei do outro lado da praia ela gritou meu nome – perguntei quem era – ela me disse o sobrenome – não decifrei o sonho – mas perguntei se freud explica – ela me deu um beijo na boca.

 

                                                         

mallarmè me deu o toque

 

poesia é pau é pedra
palavra sem retoque

quem conhece o lance de dados 

não joga com dado lance


não troca flecha por lança

nem armadura por bodoque

 

quem sabe que  vida é fedra

não teme a hora do toque
nem quanto custa ler Roberto Piva
e ouvir Fil Buc com a sua  banda de Rock


                                              Gigi Mocidade


escridura

 

esse poema absurdo
direto no ouvido do surdo
escridura nos olhos dela
ela bem sabe o que desejo
ela bem sabe o que espero
tem canivete no sangue
tem um alfinete entre dentes
a faca que corta a navalha
sangrou as tripas no ventre
o beijo quando for que seja
de língua lambendo a carne quente

 

ela já foi 

meu grande amor
chegou na trovoada
                   feito ventania

foi como tempestade
morreu na calmaria


poema 6

 

poema não é
só palavra doce
cristal de açúcar
mel néctar flor
pode ser até
um gesto de ternura

 poema
também é dor

nas entranhas da nervura
é peixe morto
agro tóxico

lixa na tessitura

desc0ncerto desconforto

           pedra  na rapadura

 

 cato cacos de azuis

nos alumínios
em cada mínimo
                que vejo
azulejo


meu tio era Yauratê

 

meu tio era Yauratê no corpo de Cacá de Carvalho homem tigre leopardo onça índio endiabrado caiçara caipora  agora   minha  tribo chora na terceira margem do rio Guimarães Rosa –  sagaranas em prosa noutra aurora a espreita do  silêncio -  vozes em desespero no vazio na fala na estação de trem a mesma coisa no hospital a mesma coisa no vagão do metrô a mesma coisa vida e morte entrelaçadas na ante sala do horror  no instante da partida a hora da chegada onde a inesperada não avisa o momento do terror no país do cemitério um carnaval engana-dor


estação 353

 

um girassol se escondeu

por trás do portão de entrada

                     entre suas pétalas

cantava minha amada

pegando seu barco no cais

                um blues rascante rasgado

 

                             desses que não se houve mais


                                    dada


um poema mallarmaico

satírico freudelírico aramaico

onde voz nenhuma me alcance

um lance de dedos nos dados

uns dados de dedos no lance


disfunções léxicas na fala

 

essa pedra de riscar faca
língua de satã
em tudo que essa língua fala
em tudo que essa língua diz
em tudo que essa língua lambe
em tudo que essa língua toca
o que há em mim não se controla
gramophone gravidade graviola

 


onde vai cinzia farina

toda vestida de letras

como quem grafita na areia

esse seu espelho d´água

à beira mar na lua cheia 

 

 

 nonada

 

nonada no meu prato

na hora do almoço

nonada no meu prato

na hora do  jantar

 

nesse país a fome é tanta

comeram meu calcanhar

 

no lance de tantos dedos
no jogo de tantos dados
meus 5 sentidos mordem
os signos

sem decifrar os   significados 


 

se continuarmos

a dar o queijo aos ratos

eles continuarão a

a roer nossos sapatos


grafitemas e figuralidades

 

estou escrevendo um mini conto um grafitema umas figuralidades não é coisa de cinema a mais nua e crua realidade certa noite ela me veio não era sonho era uma noite de chuva com seus dois grandes olhos e mãos tão pequenas como quem grafita na areia um espelho d´água à beira mar na lua cheia  vinha vestida de letras como o som da flauta de bambu dentro do fonema veio de longe da outra margem do rio dentro da tapera o cauim me trouxe na tigela bebi como índio na hora que vê  nascer o filho beijei teus cabelos de milho e ela me perguntou quem eu   era



quadrilha

para Ademir Assunção

 

das minhas metades restaram só o nada nesse poema cego surdo  mudo mendigo de rua sem rumo sem terra sem teto nas minhas metades guris nas favelas morrem de balas achadas nunca perdidas sempre pretos sempre pretos  sempre perigo de vida  nas tenebrosas quebradas  agora também verme vírus agora também vírus verme  a morte é desenfreada pelo descaso na fala e quem deveria proteger só quer saber de mais um corpo na vala 


poema 7

 

aninal indesejado

poeta feito cachorro

não late a pedir socorro

nem nas entranhas do norte


 e por todas as tribos

e trilhas no país das armadilhas

pelo futuro de Alice minha filha

o meu latido é mais forte

 

até o último suspiro

o último - delírio

vou infernizar essa quadrilha

                até na hora da morte

a transa as tralhas os truques 

 

para abalar os murais

desse coreto

menos flayer  mais panfleto 

 

a minha rima mallarmétrica

romance idílico com a musa

para os meandros engenhosos

da poética

grafitei meu nome em tua blusa 


cai o pano

nenhuma surpresa

pratos vazios sobre a mesa


do outro lado do mar

marés maresia frutas podres

no mercado - horror 

do outro lado do amor

esse  poema inacabado  


festa ferro fogo

lance de dedos é só um lance

lance de dados  um jogo


                                          tripa trepa tropa

a língua que me trampa

não é a mesma que me trapa

a língua que me trepa

é da mulher que me maltrata

 

pohermetos

para Claudinei Vieira

 

brincando com a língua

a gente transa

           desconcertos

 

faca paca pata rapa

cuidado para não quebrar a língua

e entregar a cara à tapa 


nessa pedra me abstenho

nessa pedra me abstrato

não concreto o que não tenho

nem des(calço) o teu sapato

 

o cateto  na hipotenusa

a hipotenusa no cateto

o som dessa flauta me parece

sinfonia do Hermeto


essa minha obsessão

por beleza na ternura

abstrata no concreto

vem da plasticidade

de uma nova arquitetura

      no poema do objeto 


quanto trabalho

dá para entender

as cartas do meu baralho


           o amor
esse bandido
levou-me os fios de cabelo
roubou meus  sonhos
e transformou em pesadelos


Poema 8

 


o dia que não te vi
foi baudelérico

a noite que não beijei sagaranagem
quando vi e não me viu não entendi
porque o  amor não foi selvagem

 

quando beijei e não sentiu
só mallarmélico

para escrever o que ainda
está por vir quando delírico


O Homem Com A Flor Na Boca

 

amoras : ame-as ou devoras

Isadora ou me decifra ou juro que vou embora 

aqui nem só jabuticabas florescem nesses meus enredos a terra ancestral do meu sangue   amoras roçam as palhas da cana caiana doce carne  das frutas a flora na flor dos mangues  em mim são  cajás e são mangas como a   carne do corpo laranjas bananas siriguelas o agridoce das pitangas  como quem goza na multicor das aquarelas


eu não queria

selfie servisse nem aquilo

nesse tempo embaraçado

nesse país intranquilo

regido a golpe de estado

 

mini conto - a faca

poesia não é manchete de jornal para espremer escorrer sangue - mas   poema não pode ser facada que entra na carne mas não sangra como aquela em Juiz de Fora que até agora ninguém me explicou se o melodrama estava ali e não vi Adélio no curral do tal comício palanque armado para levar o brazyl a uma quaderna - pra fazer do brazil um   precipício

 

 

última ceia

 

do peixe vamos comer

somente espinha

na rapadura com farinha


                                  auto biográfico

 

a minha relação poesia.teatro.poesia é visceral vital para o que escrevo como quem encena  a necessidade do corpo como expressão não planejo nem penso o que ele sente quando jorra  palavras no deserto branco do papel - o corpo dada lance de dados jogos e lances na ponta dos dedos o dado rola quando o estômago ronca e as tripas falam quando as vísceras sonham transborda sangue esperma  nos mar das belas coxas quando ela tinha 17 e eu já 39 no ato do boi pintadinho por avenidas e campos cidade dos precipícios onde uma musa  estudante quase me leva pro hospício 


pátria que me pariu

para Rubens Jardim

 

os dentes das pedras

mordem a língua

dos meus dias obscuros

 

esse país teve passado

         não tem presente

         nem tem futuro

 

peixe é bicho inteligente

foge do óleo criminoso

               derramado

nos mares do nordeste

- eita peixe cabra da peste!


nem sei em que planeta

estamos  hoje

nessa infernal atmosfera

 

capitão boçal pede desculpas

pelas cagadas dos 3 filhos

 

Aí 5 é apenas os centímetros

que um deles carrega

pendurado entre as pernas

 

esperma já virou porra

nesta pátria que pariu

                     a besta fera 


psic/analítica

 

não durmo -  sonho
Dédala passeia em minha cama
sob os meus lençóis de lã
toda palavra sã me despe
desejo pelos poros pelos
nossos corpos separados
apenas pela penugem do tecido
quase dentro como Joice
me trazendo Dédalus
                        para o travesseiro


          *

eu te desejo
como tudo que seja carne
nervos músculos ossos

 

ela foge quando toco
fogo paixão fome
sede tesão sexo

acho até complexo
ela gostar de conversar
mas não sentir ou não querer

 

ficar olhando a janela
com seu olho gótico
como quem analisa
mas não pode se envolver



vertigem 12

 

o barro do valão
que meus pés pisaram
impregnou o sangue
transpirou  nos poros

 

o limo embaixo das unhas
lembra-me o lugar de onde vim

aquele sertão alado

como uma ilha de creta

montando alazão enluarado
pre-destinado a ser poeta

 

não tracei a linha reta
já nasci um anjo torto

nada em mim se concreta

no meu sonho - desconforto

 

tudo em mim é impossível
até mesmo imprevisível
muito mais que inalcansável

 

não gosto de automóvel
muito menos televisão

cresci dentro do mato
conheci olho de cobra
tigre  felinni felino   gato
     dentes afiados de cão


catando cacos de cogumelos azuis

procurava apagar os rabiscos de giz nos azulejos enquanto ouvia edvaldo santana adonirando um blues -  vivi-ane preparava um chá de cogumelos azuis para depois do almoço - havíamos nos encontrado nas trilhas para são tomé das letras em outras histórias de minas fragmentadas com pimenta azeite e alho num caldeirão mágico incandescente -  a voz ultrapassava os corredores e entrava na cozinha como uma ladainha em cortejo de reis nessa fulia -  alguns  palhaços com máscaras de bode no rosto imaginava a procissão em romaria - era tudo real o chá ainda estava sendo preparado mas os efeitos já surgiam como se o líquido já tivesse sido ingerido - ouvi uma das vozes da procissão me pedindo um gole   - não tomou – mas vestida de azul vermelho dançou com muito mais volúpia e num passo de mágica todos os outros elementos da procissão também começaram um ritual fulinaímânico  se lançando para o alto como se fossem fogos de artifícios -  ninguém provou do chá mas quando a dança terminou não havia mais um gole dentro do caldeirão -  vivi-ane quase teve um troço ao ver o utensílio vazio. 


vozes outras

 

hoje amanheci aguardente água que passarinho não bebe no quintal um turbilhão de vozes deles -  fui lá fora me enriquecer de vitamina D Todo Dia É Dia D procuro outras vozes outras que me levem que me lavem me desnudem desconcertem me joguem para frente por caminhos outros trilhos tralhas trilhas  por muitas estações  de trem trafego até chegar Porto Viejo Canavarro onde ando nos quintais  desses barracos  Bolivariando


cada um com seus desejos

e o amor em desalinho

eu tinha fome de beijos

ela tinha sede de vinhos


 

 pandeprosa

para Divanize Carbonieri

 

 

poesia

poderosa

muitas vezes

pandeprosa

muitas vozes

vozes muitas

muitas outras

línguas claras

mesmo em noites

obscuras

o abstrato se depura

em raras vozes

vozes raras

ave palavra

criaturas

poesia

é coisa cara


pandemônia

 

ela chegou sem aviso prévio foi direto  ao sangue como um soco no fígado  febre alta – 39.5 madrugada de 24 de junho os ponteiros do meu relógio de músculos marcavam 4 horas  festa de São João na cama sem fogos de artifícios mas por ofício a poesia queimava  na carne dos lençóis  entrelaçada nas tripas num soneto anti-pós às 17 horas do dia 25 ela partiu sem me dizer o motivo da visita  deixando vestígios na carne nas vísceras  entredentes agora só quero saber o que faço para controlar os impulsos na memória do       inconsciente

 

 roteiro para um poema épico

estou liquidi-ficando com a fome dos desejos que se foram antes


itinerário 

esse poema contém vírus desejos pecados rasgados com Stella em São Conrado subindo ao Cristo Redentor do morro do Corcovado a pedra do Arpoador

poesia pecados da carne sem limites

feito lâmina a luz do sol  penetra em minha carne água sol sal céu mar limão alho mel de cana azeite suor pimenta atum sardinha gema no poema inventa cama em chamas acredite  receita infalível para o sexo dinamites nesse mar de espuma voa leve pluma nos teus olhos d´água travesso desde menino pelo destino em ser felino por travessura e desatino nas entre linhas das minhas vinhas uvas passas ao rum línguas de vinho

 

                                                  Po Ema


se penso resisto mesmo tenso insisto atravesso o tempo como quem partia nesse azul de sal num mar de algaravias como quem se esquece numa quinta feira  grafitando ideias com um giz de cera em um mar de algas em tua pele pera na corte dos fellinis gato véio o mais felino quebra as regras da estética desde menino zomba da rima rica na poética por ironia do destino

 

a solidão berra entre  céu e  terra


pala(r)vras de fogo em cartas incendiárias

queimaram horas e dias nem sei mais o que pensam as 7 medusas do monstro encontradas no manguezal

 

tupi or not tupi


Itapetininga pedra de sal no mar de Pirapetinga  tem gente que de repente deixou de ser ou já não era¿ quem disse que amor é santo¿ nem tudo que poderia te dizer escrevo nem sei mais quem habita as costas do teu litoral e quantas algas já contei nas asas do temporal[ imagens em chamas vieram nas entre linhas rasgando as entre minhas esporas palavras dela

 

quem disse que desejo

 não cabe no poema?


meu objeto do desejo tem nos olhos cor de algas e algum peixe que se foi sem teatro a alma   não respira perde-se a vida Serafim Ponte Grande ainda me aponta uma ponte algumas trilhas tenho uma amiga que ainda não sabe quanto é musa - nas Juras Secretas para ela muito já foi escrito e muito mais ainda  tenho   a escrever até rasgar as entranhas nas armadilhas do ser  estou desde dezembro sem poder fazer o que gosto e isso me deixa em desgosto a vida sem tira-gosto vida de gado: depois da engorda o matadouro  céus de fogo já rompendo as madrugadas  em noites claras do  sertão por serTão iluminadas trago essas noites dentro das cercas e arame farpados  os currais dos campos cerrados meu mato grosso de sangue vermelho fincou na cancela imagem do corpo estirado depois do tiro no peito na fazenda encharcada abandonada  trago essas noite no tempo  da cacomanga assustado um menino que aos 7 anos viu a morte de perto por dentro de uma garrucha  do seu tio ali suicidado


hoje nem sei se escrevo

poema em linha reta

    ou se embarco direto

para ilha curva de Creta


dada ista

 

des      nudo

 das      tudo

diz       quanto

dou      nada

du         verbo

da         dada


                        ista dada

 

ista era uma menina que me queria quântico metafísico se o amor não fosse em carne até mesmo osso com o estigma da crueldade presente em cada ato quando a pimenta do reino ardesse em vossa língua ou queimasse à flor da pele o céu da boca e a carne nua e crua exposta ao sol ao vento fosse apenas um feixe de lenha a ser levado por qualquer lenhador que ousasse invadir seu mato dentro

 ista me queria dentro de um versículo bíblico mastigando a pedra até o pó a memória é uma língua suja que lambe a carne das palavras morde com seus dentes até sangrar melado dos canaviais dessa lavoura arcaica que hoje cultivo em meu quintal tem dias que a ossatura no corpo não é mais que uma carcaça segurando a capsula da pele aqui de fora esse corpo que carrega 288 estações primaveras verões outonos invernos à beira de um abismo sem luz no fim do túnel pra clarear  meu modernismo


 

nonada

:

O Homem Com A Flor Na Boca

 

vida toda linguagem

língua o trem da viagem


pinda o nome

na terceira margem do rio orucun


o mato grosso

me acertava

com algo

que ainda não conhecia


flecha de fogo certeira

Divanize me alertava

e o coração estremecia


os dias selvagens te ensinam

Aricy de minas

refletia 

o amor no cerrado sangrava

como um beijo no asfalto

na boca de quem comia


o barco deslizava nas águas do Paraguai

em direção ao futuro que não vinha


o homem com a flor na boca

atravessou o pantanal

com o seu poema pássaro


ave palavra profana

cabala que voz fazia


moro no teu mato dentro

não gosto de estar por fora

tudo que me pintar eu invento

como beijo no teu corpo agora


de suas janelas ela me olhava

como alguém que ainda não me percebia

o barco seguia seu fluxo

o sangue na veia era o que mais me ardia


ela só tinha nos olhos

animais aquáticos

os pássaros vez em quando

pousavam em suas janelas


minha língua lendo Ivo

me revelava o tempo e a ostra


campos era uma cidade

noblesse uma livraria

nas veias da mocidade

arte era o que existia


e a bruxa dos cacos de cogumelos azuis

me confessou rasgando um blues

com os gumes da carnavalha

e as lâminas de um canivete

prometeu esquartejar os vermes

na próxima sexta vinte e sete


 na noite consagrada ao desfile

toda cidade enfeitada

 para um novo  ritual

amanheceu a flor do pântano

e era domingo de carnaval


colorau o nome  do  vermelho

com que batizei o festival


no nine nem

língua toda viagem

linguagem que me convém

 

em meu estado de surto

Sartre de  poesia

mama áfrica

a minha mãe já me dizia

ferramenta de barbeiro é carnavalha

a do poeta deve ser filosofia


retorno da viagem o hiato (entre parênteses) porto viejo canavarro onde o barro da carne era mais quente carnaval com fogos de artifícios um ritual em algum navio alguma nave o pantanal o mato grosso uma viagem a travessia 

cada escola de samba que passava era  um  grito de nostalgia o pelo na pele arrepiava oswaldívia me visitava e quem disse que me alivia o corpo em transe delira e o povo de lá  sucupira   entre o pantanal de  Corumbá e a fronteira  na Bolívia meu corpo todo à deriva no mato grosso do sul no barco só tripulantes com seus turbantes azuis lábios vermelhos das tintas extraídas dos urucuns onde índios mascam contentes as suas folhas de coca e celebram seu presidente Evo Morales  nativo no fogo daquela gente num ritual transitivo  me leva a muitas cervejas do outra lado a fronteira  de santa cruz de lá sierra  a barra do sol cana brava  usina de sal minha terra onde Stella   me esnobava mas bom cabrito não berra atravessei a fronteira  fui dançar  com Gabriela uma índia  boliviana  que me agarrou pelas costelas e me amarrou num trava língua como os meus  tempos na tapera 

 

não é fácil

uma linguagem fácil

complexa ou  metafórica

no ritmo de uma roda gigante

que a tua  língua não controla


sensualidade

água

escorrendo

sobre

a

pele

da

saudade


minúsculas nas origens

 

não fosse macunaíma

fulinaíma  também não seria

por qualquer coisa que fosse

poeta não caberia

mesmo se filho  eu fosse

de uma santana maria

afilhado de grande otelo

neto da sesmaria

e quando ao mundo eu viesse

em outro lugar não poderia

tinha que ser na cacomanga

matagal onde um outro  EU nasceria


incorporação

para Igor Fagundes

 

esse poema bárbaro

com um fonema brazilírico

vai fazer meu aramaico

ir dançar  no seu delírico

 

palavras que incorporo

dança vento movimento

folhas verdes no algodão

 

fulinaímico dançarino

moleque um tanto menino

no frevo xaxado xote

na zabumba do baião

 

nos atabaques da macumba

te incorporei  cantando rumba

em bandas de rock and roll

pelos terreiros da lapa

nas noites por onde vou 


                                     tragédia infame


empresto minha voz aos deserdados os desnutridosos que não tem pela manhã café com pão e sobre a mesa no almoço nem mesa nem carne seca com farinha espinha de peixe na garganta é o que sobrou pra curuminha

empresto meu corpo minha voz a esses personagens os que tem sede  os que tem  fome ou os que morrem assassinados nos guetos  nos campos nas cidades  por balas de fuzil  está fudido esse  brasil entregue as traças e só  me resta exterminar o nome o sobrenome o apelidodo causador dessa desgraça

  

                         Goytacá Boy 2

 

araraquara guaxindiba itaocara grumari o que liga essas palavras ao  eu vocabulário a carne índia o sangue a cachaça paraty grussaí guarapary baia da guanabara 


juntei meu goytacá seu guarani

tupi or not tupi

não foi a língua que ouvi em tua boca caiçara


 capivari tucuruvi taubaté pindamonhangaba piracicaba pirapora piraí paranapiacaba

vim da tapera carioca do roçado do aipim cacomanga minha toca  meu coração ururaí tupinambá goytacá tupiniquim

quanta selva quanta  mata desmatada desde o dia que o português pisou aqui  


para falar para lamber para lembrar

da sua língua arco íris litoral

como colar de uiara

é que eu choro como a chuva curuminha

mineral da mais profunda lágrima

que mãe chorara


para roçar para provar para tocar

na sua pele urucun de carne e osso

a minha língua tara

sonha cumer do teu almoço

e ainda como um doido curuminha

a lamber o chão que restou da Guanabara

 

juntei meu goytacá seu guarani

tupi or not tupi

não foi a língua que ouvi

em sua boca caiçara


gargaú guriri itapevi abapuru

minha musa antropofágica tem o nome de pagu


tarcila anita d´alkmim itaim guarujá piratininga itapetinga itaquera quantas palavras ensanguentadas nas taperas

santeiro do mangue minha pátria meu tesouro 100 anos se passaram como vento e são paulo transformou-se numa selva de concreto uma cidade de cimento


corpo em trânsito


em São Paulo uma menina

me chamou de SerAfim

por saber que poesia

é tudo que transa em mim

 

e ainda uma outra

me chamou de desvairado

por saber que concretismo

anda sempre do meu lado

 

foi então que em Teresina

me chamaram de Torquato

ao perceberem minha boca

com esse meu vapor barato

 e uma outra feminina

me chamou de Faustino

por re-V(L)ER no meu poema

esse  sotaque feminino

 

no Recôncavo baiano

bem no centro o reconvexo

rasguei todos meus planos

quando fiz primeiro sexo

 

numa feirinha de verdura

uma linda criatura elegante sensual

me pediu pra ler Leminski

quando viu meu visual

no poema de Kandinsky

 

 e encontrei fulinaíma

no universo paralelo

pra revirar o céu de anil

desse país verde amarelo

 revirando a tropicalha

pelo avesso do avesso

foi tamanha a CarNAvalha

que perdi meu endereço


fui parar em Ipanema

num 1º de Abril

quando assisti pelo cinema

a pátria mãe que  me pariu

 

fui pro morro da Mangueira

re-inventar Parangolé

por entender que esse brasil

                ainda vai ficar de pé .

 

                                  Federico Baudelaire

 

 

Federika Bezerra : A Porta Bandeira

Que BorTou Olivácio Doido

 

 

Em mil novecentos e vinte e cinco

na noite de orgias satanazes

um raio de trovão incandescente

rachou a igreja em Goytacazes

um vulto do despacho então desceu

movido por farol de grande luz

tocou na pedra quebrou cruz

a Rainha do Fogo dessa gente


Federika de ouro azul e prata

na porta da igreja foi parida

criada pelo Padre Olivácio

que logo depois lançou na vida

aos cindo de idade encantada

foi pega masturbando em sacristia

por causa de um sonho com o príncipe

DuBoi da mais sagrada putaria


Expulsa da cidade foi pra longe

cresceu entre os jardins de JardiNÓpolis

mas se você pergunta Freud Explica:

- o seu palácio agora é em Petrópolis


Aos dezenove plena de alegria

conheceu Gigi da Bateria

na porta do Beco de Satã

na festa federal do Bar da Lama

 

a Deusa dos Lençóis de toda cama

sorrindo para ver como é que fica

dá um corte na história inverte o drama

e transforma Ouro Preto em Vila Rica


e assim vamos cantar em verso e prosa

a saga dessa Deusa Iansã

que em busca da mordida na maçã

sonhava encontrar Guimarães Rosa


Viemos do SerTão para os seus braços

porque a Mocidade Independente

é a mais fina e pura Flor do Lácio

afilhada do secular Padre Miguel

e fiel ao seu pai Padre Olivácio

e para completar a grande roda

trazemos o cacique Pau BraZil

o centenário Oswald de Andrade

filho da paulicéia que pariu!


Passando pelas bandas do Catete

dançando na maior intensidade

macumba com o índio brasileiro

nossa Ex-Cola campeã da liberdade

Federika engravidou o grafiteiro

do famoso cacete Samaral

que escrevia pelos muros da cidade:

Mocidade já ganhou o Carnaval!


e assim vamos cantar na grande roda

tudo o que deu e o que não deu

o dia que um pastor bem  collorido

pensou ser pai de santo e se fudeu!


Artur Gomes

poeta.ator.produtor cultural vídeo maker 

2021 - Curador da Mostra  Cine Vídeo de Poesia Falada realizada pelo SESC – Piracicaba-SP

Curador do 1º Festival Cine Vídeo de Poesia Falada

Integrou a Mostra De vídeopoemas dentro do Projeto Arte de Toda Gente realizado pela FUNARTE-Rio com curadoria de Tchello d´Barros 


livros publicados: 

Um Instante No meu Cérebro – 1973 

Mutações Em Pré-Juízo – 1975 

Além Da Mesa Posta – 1977 

Jesus Cristo Cortador De Cana – 1979 

Boi-Pintadinho – 1980 

Carne Viva – 1984 – Antologia de Poesia Erótica –

Org. Olga Savary 

Suor & Cio – 1985 

Couro Cru & Carne Viva – 1987 

20 Poemas Com Gosto de JardiNÓpolis & Uma Canção Com Sabor de Campos – 1990 

Conkretude Versus ConkrEreções – 1994 

CarNavalha Gumes – 1995 

BraziLírica Pereira : A Traição das Metáforas 

Alpharabio Edições – 2000 

SagaraNagens Fulinaímicas – 2015 

Juras Secretas – Editora Penalux  2018 

Pátria A(r)mada – Editora Desconcertos – 2019  

Prêmio Oswald de Andrade – UBE_Rio- 2020 

O Poeta Enquanto Coisa – Editora Penalux -  2020

  

Criador dos Projetos: 

Mostra Visual de Poesia Brasileira realizado de 1983 a 1994 em diversas cidades brasileiras. 

Mostra Visual de Poesia Brasileira – Mário de Andrade -100 Anos – realizado pelo SESC-SP em 1993 

Retalhos Imortais do SerAfim – Oswald de Andrade Nada Sabia de Mim – realizado pelo SESC-SP em 1995 

FestCampos De Poesia Falada – realizado pela Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, na cidade de Campos dos Goytacazes, de 1999 a 2019 

De 1975 a 2002 Dirigiu a Oficina de Artes Cênicas do Escola Técnica Federal de Campos e Cefet-Campos 

Em 2002 lançou o CD Fulinaíma Sax Blues Poesia e tem gravado e ainda inédito o CD Fulinaíma Afro Tupiniquim 

De 2011 a 2012 – Dirigiu o Laboratório de Produção Cine Vídeo – no IFF Campos Campus Centro 

De 2011 a 2012 – Dirigiu no SESC Campos Oficinas de Produção Cine Vídeo 

De 2014 a 2016 – Dirigiu no SESC Campos Oficinas de Artes Cênicas 

De 214 a 2017 – Dirigiu no SINASEFE – seção Campos o Curso de Teatro Multi Linguagens 

De 2018 a 2018 – Lecionou Poéticas no Curso Livre de Teatro da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima em Campos dos Goytacazes-RJ 

Tem poesia publicada nas principais revistas digitais de arte e literatura, tais como: GERMINA, GUETO, ACROBATA, RUÍDO MANIFESTO, QUATETÊ, ESCRITA DROIDE, MALLARMARGENS, CRONÓPIOS e ALGUMA POESIA

tem inédito os livros: Itabapoana Pedra Pássaro Poema 

Mar De Letras Rio De Palavras

e

Vampiro Goytacá Canibal Tupiniquim

*

Fulinaíma MultiProjetos

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