domingo, 11 de outubro de 2020

Demetrios Galvão - EntreVistas

 


 Através de uma postagem do meu querido, poeta e amigo, Rubervam Du Nascimento, divulgando a publicação de seus poemas na Revista Acrobata, li pela primeira vez o nome Demetrios Galvão. Depois de navegar pela Acrobata e ler  a diversidade do universo poético artístico/cultural ali contido, não perdi tempo, adicionei o Demetrios no face. A partir de então começamos a dialogar e trocar ideias sobre o nossa produção poética e o nosso empenho pela difusão da poesia. Essa EntreVista a seguir é um fragmento em 3x4, da nossa comunhão diária, de como sentir pensar viver  escrever poesia.  

 A pergunta que não fiz e ale: - você conseguiria viver sem poesia?

 Eu não conseguiria.



Demetrios Galvão
, nasceu e vive na cidade de Teresina/PI. É poeta, professor e historiador. Autor dos livros de poemas Fractais Semióticos (2005), Insólito (2011), Bifurcações (2014), O Avesso da Lâmpada (2017), Reabitar (2019) e do objeto poético Capsular (2015).

 

Em 2005 lançou o CD de poemas Um Pandemônio Léxico no Arquipélago Parabólico. Participou do coletivo poético Academia Onírica e foi um dos editores do blog Poesia Tarja Preta (2010-2012) e da AO-Revista (2011-2012).

 

 Entre os anos de 2017 e 2018 editou o blog Janelas em Rotação (dentro do portal da Cidade Verde). Tem poemas publicados em diversas antologias e em revistas literárias. Atualmente é coeditor da revista Acrobata, em atividade desde 2013 - https://revistaacrobata.com.br/




Artur Gomes - Como se processa o seu estado de poesia?

 Demetrios Galvão - É um estado latente, uma espécie de corrente energética que vibra/oscila constantemente, por períodos o fluxo é maior, em outros momentos vivo a calmaria de ideias. Mas basta um risco no céu, um assovio, um espinho no dedo para o desassossego poético começar. Houve um tempo que meus dispositivos criativos estavam associados à circulação na rua, ao caos urbano e aos exercícios de estranhamento. Mas, ainda antes da pandemia e do isolamento social, minha percepção já estava voltada para as coisas simples e calmas da vida, um mergulho introspectivo nos processos cotidianos e seus pequenos infinitos. Percebo que houve uma mudança na frequência dos sinais que passei a captar, meu último livro “Reabitar” é resultado disso. Mas, tenho um poema que responde bem sua pergunta:

 

                                                      caos calmo

 

além de memórias

o poeta coleciona sucatas e ruínas

para o trabalho nas madrugadas

 

o esforço manual e paciente de

descascar palavras

no precipício de criaturas cintilantes

 

lá onde os bichos são cegos

e a linguagem é um ruído

uma faísca no escuro das águas.


Artur Gomes - 
Seu poema preferido? Próprio. Ou de outro poeta de sua admiração.

 Demetrios Galvão - Eu tenho uma dificuldade enorme em de ter que escolher “um preferido”, meu ou de outra pessoa. Mas, vou apontar dois que acho fantásticos e que reverberam em meu corpo, desde o dia e que os li, são eles: o “Ulvo” do Allen Ginsberg e o longo poema “Altazor” do poeta surrealista chileno Vicente Huidobro. Esses poemas correm em meu corpo/mente como correntes elétricas, por vezes, fazem faíscas e desorganizam meus órgãos/ideais. Essa desorganização provoca gozo e um sentimento de estar-vivo que me acende.

 


Artur Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira? 

 Demetrios Galvão - A minha cabeceira é uma encruzilhada, um ponto de curto-circuito, lugar de trânsito intenso, de gente viva e morta. Muitas línguas são faladas ao pé do ouvido e pego as frases pela metade, os sons chegam enviesados, retalhos de fotografias, fragmentos cinematográficos... “meu poeta” de cabeceira é um Frankenstein, um ser sem forma objetiva, uma entidade poética que agrega várias sensibilidades/estéticas.   

Artur Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsione para escrever?

 Demetrios Galvão - Não tenho nada em específico, não sou “um poeta” que senta e diz “agora vou escrever um poema”... não me coloco nessa condição. Minha relação com a palavra/poesia é um relacionamento livre, nos encontramos quando estamos a fim. Às vezes fico dias namorando com algumas palavras até formular um desenho que me toca, depois vou juntando as coisas com muito carinho e as imagens/versos vão se revelando, sigo nesse namoro sem muita pressa, ruminando a engenharia do texto, até que tudo dá certo no final. Mas, gosto de escrever ouvindo música, depois que a casa dorme e posso ouvir os silêncios dos cômodos, ver seus detalhes imperceptíveis à luz do dia... esse é um estado de poesia que me ajuda a escrever.

Artur Gomes - Livro que considera definitivo em sua obra?

 Demetrios  Galvão - Pra ser sincero, não penso que tenho “uma obra”, há algum tempo estou empenhado em um percurso de vida-linguagem que aos poucos está ganhando um contorno que me agrada. Penso que a relação entre os livros publicados, a reverberação desses artefatos poéticos e a minha vida, tudo junto, está construindo um caminho aberto ao porvir, mas nada definido ou definitivo. Nesse momento estou curtindo o último livro, Reabitar (Moinhos, 2019), e vendo ele ganhando vida e desenvolvendo sua própria história. 

 Artur Gomes - Além da poesia em verso já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia?

 Demetrios Galvão - Além das provocações que resultam em poemas e dos livros publicados, já fiz um CD de poesia experimental em 2005 intitulado de “um pandemônio léxico no arquipélago parabólico”. Foi uma parada ruidosa, estranha, uma tentativa de colocar a poesia em outro lugar. Na época eu queria fraturar esse elemento lírico da poesia. Além dessa experiência, também gosto bastante de organizar/participar de sarau e de falar poemas em público, embora não seja tão performático.

 Outra atividade que que me dá bastante prazer e tem me proporcionado grandes aprendizados, está relacionado ao trabalho com a revista Acrobata que edito, juntamente com o amigo Aristides Oliveira, desde 2013.  A revista que surgiu primeiramente na versão impressa e lançamos 9 edições, hoje estamos atuando no formato eletrônico, como publicações diárias. O exercício diário com a revista me faz experimentar a poesia em outras direções, principalmente na construção da teia humana e na propagação dos textos, fazendo-os chegar a um número imenso de leitores.

 Artur Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho?

Demetrios Galvão - No meu caso, eu troco a pedra pelo espinho e respondo com um poema:

 

volumes agudos # 2

 

trago

nas mãos

uma coleção

de acidentes

 

– o silêncio

aduba as formas –

 

brota

em mim

um novelo

de espinhos

 

– plantio

nem sempre

afável –

 

Como gosto de cactos, minha metáfora é o espinho. Muitas vezes, é nesse jogo espinhoso, doloroso que minha poesia se desenvolve. A linguagem é uma matéria que costuma cortar/perfurar e por isso, é preciso desenvolver uma habilidade para lidar com essa força. O trabalho com a poesia é também angustiante, tanto pelas situações que vivemos, como pela manipulação da linguagem. Como diria o poeta Paulo Machado "Fazer poesia é fácil / como amordaçar um lobo".

 Artur Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?

 Demetrios Galvão - Não sei quem ou o que passará, tenho muita desconfiança sobre uma série de coisas que estão batendo/chutando à nossa porta, passando em nossas telas ao toque dos dedos. As incertezas são monumentos estranhos ocupando os espaços da casa e da cidade.  Tento manter a mente saudável não perder a esperança e nisso, a poesia tem sido fundamental. Mas, sinceramente, espero que as pessoas de bom coração possam passarinhar, bem vivas e lindas, para fazer a diferença no mundo. No mais, tudo é especulação.

 Artur Gomes – Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?

 Demetrios Galvão - Sou da comuna dos poetas que encaram o mundo com os olhos livres, que não separam vida e linguagem.  Minha formação vem da potência do rock, do surrealismo/beatnik e do anarquismo... aprendi que o barato das coisas se realiza no avesso do que está dado como normativo (careta/estático) e na parceria de bons amigos, não ando mau acompanhado. Sou de fato, um poeta que gosta do bando.

 Já participei de coletivo de poetas, já estive inserido em movimentos sociais, já cantei em uma banda de punk/hardcore, todas as minhas experiências foram de pensar o coletivo... sou um poeta que, definitivamente, não anda só.

 Artur Gomes – Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?

 Demetrios Galvão - Enquanto vivermos em uma sociedade desigual, injusta, preconceituosa, conservadora, etc etc... “sempre serão tempos difíceis para os sonhadores”. A militância com a poesia é a coragem de seguir acreditando na “palavra mágica”, essa força vital que nos faz levantar a encarar o mundo com um olhar/atitude diferente, com esperança e indignação, com amor e angústia, prazer e revolta, vivendo todas as contradições do estar vivo e levando isso para o papel ou vocalizando, na forma de versos. O poeta de hoje luta tanto quanto o de ontem, o que me faz concluir que “ser poeta” é estar constantemente no fronte de alguma luta. Primeiramente, na defesa da própria poesia, da cultura, do fomento e acesso à leitura. O poeta está engajado nas questões do sensível e seus desdobramentos.

 No mais, o Brasil passa dos 150 mil mortos pela covid–19, o Pantanal e a Amazônia sofrem com queimadas criminosas e temos um despresidente fascista, desmontando o país. Essa é a realidade que nos assombra no agora, um cenário incômodo e que provoca muitos de nós a escrever, com diferentes abordagens poéticas sobre o que está acontecendo. Os poetas estão aí, para amplificar nos seus versos, as indignações dessa época. Não tenho dúvidas que teremos uma produção ampla e potente sobre a memória desse tempo.  E isso, ficará como registro, vestígio, arquivo, como algo que não será silenciado.

 Artur Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?

 Demetrios Galvão - Você conseguiria viver sem a poesia?

 

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